Capítulo 16 (parte 1)

3.5K 391 173
                                    

"E eu desapareço como orvalho ante o sol

Silêncio das nossas memórias apagadas

Nos nossos sonhos, tudo continua o mesmo

Movimentos decadentes

(Theatre of Tragedy – Fade)


A decisão não era assim tão fácil. Por mais que John amasse Andrew, precisava suprir o espaço que este deixara em branco; e, por mais que Steven fosse a primeira e única opção disponível, John sabia que o que ele tinha a oferecer não era exatamente o que estava faltando. Seria um tiro no escuro, uma tentativa até ingênua, mas era o que podia ser feito.

Após muito ponderar, John decidiu que procuraria, sim, Steven. As coisas já estavam em um ponto em que nada mais fazia muita diferença, então a tentativa era válida. Neste aspecto, até a Voz da Razão concordou. Se há algo bom que possa ser feito por si mesmo, faça, pois, por pior que possam ser as consequências, nada é pior do que a resignação.

Ao anoitecer, acabado o expediente na biblioteca, John passou em casa e tomou um banho. A plaquinha "Não perturbe!" da porta do quarto que, há pouco, fora seu agora fazia todo o sentido do mundo. A ordem era levantar a cabeça e seguir em diante, rumo ao próximo quarto. E assim passou a acontecer.

Já banhado, vestido e perfumado, John saiu de casa. Pensou ter visto Andrew se aproximando, mas não, era só impressão. Há mais de três dias sem vê-lo, John começava a vislumbrá-lo em outros rostos. O sorriso, os olhos brilhantes, a jovialidade... Saudade definiria.

John dirigiu pelas ruas da cidade tranquilamente, como se estivesse indo de encontro à Paz e já sentisse que esta o acompanhava durante o percurso. Sabia que paz era uma das últimas coisas que poderia encontrar em Steven, mas a esperança o fazia pensar de forma contrária. A esperança unida ao desamparo, contrastantes, criavam essa ilusão confortável.

Chegou. Há quanto tempo não via aquela fachada suja da velha academia. Há quanto tempo nela não pisava. Com as mãos nos bolsos, John caminhou até a porta e adentrou. Tudo parecia o mesmo, ou quase o mesmo. A moto estacionada ao lado do ringue, os pôsteres nas paredes descascadas, a pintura desbotada... A única diferença era o motivo que o levava ali. Não era mais paixão avassaladora ou necessidade carnal, era apenas carinho, ou falta dele.

Subir aquele lance de escadas nunca foi tão fácil. Sem o coração disparado, sem boca seca, sem medo ou desejo. Degrau a degrau, John subiu o lance de escadas como se estivesse fazendo exatamente isso: subindo um lance de escadas, sem metáforas ou explicações metafísicas.

Estava, enfim, de frente à porta azul. Nenhum som do lado de fora ou de dentro, apenas silêncio e reflexão, como se aquela tábua vertical de madeira fosse um divisor de águas e dali em diante tudo fosse ser diferente. Três batidas e logo o resultado seria descoberto.

— John? — perguntou Steven afirmativamente, com um olhar de surpresa.

— Oi, Steven.

— Nossa... Que surpresa! Entra aí — Steven abriu passagem.

Ainda com as mãos nos bolsos, John entrou. Por algum motivo, teve a impressão de que Steven estava feliz, o que era muito raro de se ver.

— Não esperava te ver por aqui tão cedo — disse Steven, fechando a porta.

— Eu também não esperava.

— Então por que veio?

— Pra saber se a sua proposta ainda tá de pé.

Entre o Amor e o Fogo (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora