Konstantinos já era médico do Santuário há um bom tempo. Nascido em Rodorio, sempre fora apaixonado pela arte da cura. Formara-se em na Itália e voltara a sua cidade natal, disposto a se tornar o médico responsável pelo vilarejo. E assim seria, se não tivesse recebido um convite feito pessoalmente pelo Grande Mestre Sage.
Konstantinos nunca vira o Grande Mestre tão perto, apenas à distância, quando Sage ia visitar o vilarejo.
Por isso, foi uma imensa surpresa quando ele o convidou para ser o médico do Santuário. Ele nunca nem sequer pisara no refúgio sagrado de Atena. Aquilo era uma honra inimaginável e Konstantinos não teve outra opção a não ser aceitar.
Assim, ele deixou a casa de seus pais e se mudou para uma residência próxima ao pátio central do Santuário, tratando dos ferimentos que os lendários cavaleiros, defensores de Atena e da paz na Terra, adquiriam em batalha.
No início, o médico recém-formado trabalhava sozinho, desdobrando-se para cuidar dos guerreiros que chegavam. Com o nascimento de Atena e do receptáculo de Hades, os espectros começaram a se movimentar e a quantidade de cavaleiros feridos aumentou. E assim Konstantinos se viu obrigado a contratar seus assistentes. Primeiro Petros, também vindo de Rodorio e que, mesmo tendo grande entusiasmo pela medicina, não tinha nenhuma pretensão de sair da vila para cursar faculdade e ficou muito satisfeito por poder ajudar como enfermeiro. Melina chegou alguns anos depois, após descobrir que não gostaria de seguir a profissão dos pais, cozinheiros oficiais do Santuário.
Elisa, a última a se unir à equipe, fora uma brilhante aquisição, com seu conhecimento científico e seu manejo das ervas curativas.
Por isso, ele podia dizer que, apesar da sangrenta Guerra Santa estar a pleno vapor, ele estava com o pequeno hospital em uma situação bastante controlada.
E foi quando Sasha o chamou no meio da noite, após o ataque de Aiacos ao Barco da Esperança, que Konstantinos se viu em uma circunstância que o tiraria da zona de conforto em que vinha se mantendo nos últimos anos. Seguindo Atena até seus aposentos, o médico se viu diante de um quadro bastante complicado.
Sísifos estava ali, bastante ferido, mais ainda do que seu sobrinho Regulus, o que provava que o embate com o Juiz do Inferno fora mesmo difícil. No entanto, o que mais chamou sua atenção não foram os extensos machucados que cobriam seu corpo. Foram seus olhos. Aqueles olhos, que sempre irradiavam confiança, autoridade e bondade, estavam agora cobertos de sangue.
- Atena. – Konstantinos murmurou, abalado.
Apesar de tudo, Sísifo estava sentado em uma cadeira com os olhos fechados, como se estivesse apenas muito cansado.
- Por favor, Konstantinos, faça o que puder para confortá-lo. – pediu ela. – Shion e eu fizemos o que podíamos, mas seria melhor se o senhor pudesse vê-lo.
- Farei tudo que estiver ao meu alcance. – ele retomou sua habitual compostura - Vou examiná-lo e depois trarei o que for necessário para começar o tratamento.
- Obrigada. – ela segurou a mão o médico com ternura e se retirou.
- Senhor Sísifo... – ele se aproximou, hesitante.
- Estou acordado, Konstantinos. – Sísifo ergueu a cabeça e então abriu os olhos.
Estavam dilacerados, percebeu o médico. Completamente cegos.
- Eu disse a Atena que não precisava se preocupar...
- Seu sobrinho disse a mesma coisa – Konstantinos falou, meneando a cabeça. – Ele só ficou no hospital por muita insistência da Elisa.
- É verdade, eles se tornaram amigos bem próximos – Sísifo abriu um pequeno sorriso.
- Foi uma dura batalha, senhor Sísifo. – Konstantinos comentou enquanto o examinava.
- Sim, ele era um espectro muito poderoso.
- Os seus olhos... foi ele quem fez isso?
- Fui eu. – o cavaleiro respondeu com tranqüilidade.
- O senhor? – Konstantinos não pôde evitar a surpresa em sua voz.
- Era a única maneira de vencê-lo.
- Bom, se o senhor diz isso, então eu imagino que tenha sido mesmo a única opção. Não consigo vê-lo usando um método tão drástico sem ter certeza de que era necessário. – Konstantinos respondeu, deixando claro que não faria mais perguntas sobre o assunto. - Agora, por favor, aguarde um pouco enquanto eu vou buscar os remédios necessários.
- Obrigado. – Sísifo respondeu.
Konstantinos olhou pesaroso para o Cavaleiro de Sagitário e saiu, logo encontrando Atena, que observava o céu estrelado, como se procurasse respostas.
- O máximo que poderei fazer será aplicar algumas compressas de camomila para acalmar a irritação nos olhos, mas devo dizer que ele dificilmente voltará a enxergar.
- Eu já imaginava isso. – Sasha respondeu, ainda olhando detidamente para o céu.
- Voltarei logo com o que necessito.
- Obrigada, doutor – ela se voltou para ele e seus olhos revelavam uma tristeza infinita.
Apenas Petros ainda estava no hospital àquela hora e ele não perguntaria o porquê de Atena tê-lo chamado, mesmo que estivesse morrendo de curiosidade. Aquela era uma qualidade dele que o médico apreciava e, se fosse Melina, a situação dificilmente seria a mesma.
- Petros, prepare para mim um pote com a decocção de milefólio que Elisa fez hoje de tarde, ainda vai funcionar bem. Também pomada de beladona e de calêndula. Coloque tudo na minha maleta, por favor.
O assistente obedeceu sem fazer perguntas e Konstantinos foi até o fogão preparar uma infusão de camomila. Naquele momento, curiosamente, sentiu falta de Elisa. Ela provavelmente teria boas sugestões para dar sobre quais ervas utilizar e suas preparações eram muito boas, melhores até do que as dele.
Contudo, mesmo que Atena não tivesse dito nada, ele percebeu que ela gostaria de manter uma certa discrição sobre o tratamento de Sísifo, já que o mantinha em seus aposentos, ao invés de enviá-lo ao hospital. E compreendia a situação. Sísifo era um grande líder para todos ali e vê-lo tão vulnerável talvez abalasse os ânimos dos habitantes do Santuário que fossem mais impressionáveis. Ou talvez Atena quisesse mantê-lo por perto.
De qualquer maneira, pensou, observando as primeiras borbulhas surgirem na água quente, daria instruções às aias de Atena para que pudessem cuidar do Sagitário, assim não precisaria se ausentar do hospital com tanta freqüência e chamaria menos atenção.
Enquanto retirava a panela do fogo e adicionava as flores de camomila, Konstantinos se pegou pensando se algum dia as pessoas teriam recursos melhores para tratar seus doentes. Talvez, no futuro, alguém que tivesse os olhos feridos como Sísifo tivesse a chance de voltar a enxergar.
Enquanto isso, tudo que ele podia fazer era tentar minimizar o sofrimento do grandioso guerreiro que sacrificara sua visão por Atena e pelo mundo que Hades queria destruir.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Chamas negras
Fanfiction1° lugar na categoria "Fanfic" do concurso Órion - 2° edição "Há uma simpatia quase inevitável entre os bons entre si, que é o princípio da amizade instaurado pela natureza." Uma amizade inesperada. As chamas do espectro de Benu serão capazes de o...