amarrada pela religião católica
amordaçada pela língua portuguesa
arrastada pra longe de casa
acorrentada por quem não tinha o direito
não tinha o direito de me tirar da minha aldeia
não tinha o direito de me tirar minha cria
não tinha o direito de me fazer bicho
porque eu sei que sou gente
pelo menos, costumava seragora tudo que digo
acaba e começa
com "sinhô" ou "sinhá"
minha revolta corre por minhas veias
mas meus pulsos estão tão inchados
minha barriga tanto dói de fome
que não sei para onde corro
e não há nada a fazer além existir
tentando sobreviver enquanto aqueles outros
da pele feita do leite
e que são tão, tão poderosos
desdenham da minha existênciaó, meu Nzambi Mpungu
dono desse sol
dono dessas estrelas
e de todos esses homens cruéis
se eu pedir com todas as forças que me restam
poderia me tirar daqui?
a cada segundo que passa
morro cada vez mais rápido
e sangro cada vez mais fortemas eu conheço meu coração
ele é bantu
e bate mais forte que esse chicote nas minhas costas
porque eu sei que isso nenhum branco me tira
e sei que esses homens
dos cabelos claros como o sol
e olhos azuis como os mares do Rio de Janeiro
podem mudar meu nome e minha língua
podem me fazer escrava
podem matar de fome a minha prole
podem me dar cicatrizes
e arrancar à força o meu culto
mas não vão mudar minha cor negrase minha pele escura os remete tanto
à escuridão do inferno
e se no inferno tudo é assim tão preto como dizem
esse tal inferno que vocês acreditam
deve ser um lugar agradável de se viver
certamente, mais agradável que aqui
e se esse tal de Deus
que você, nhô, acredita
é tão bom quanto o sinhô tanto repete
por que ele só é bom pra os homens brancos?
se ele é tão sábio
quanto o sinhô tanto me diz
peça para que ele me responda
de que serve tanta dor
e já que o sinhô consegue falar com ele
já que o sinhô obriga meu povo falar com ele
me responda, então, o sinhô mesmo
por que ele nunca nos escuta?- beabee (feito para um trabalho da escola sobre escravidão)
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-imensurável-
Şiir-beabee- "[...] e nada satisfazia as minhas mãos ainda tão jovens que já gostavam de escrever sobre tudo que descobriam na tentativa falha de tentar entender porque eu sendo assim tão ingênua e tão cheia de vida sentia (e sinto) todas essas coisas ...