Capítulo 3

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Cortei o cabelo, desta vez com alguém mais habilidoso do que o Zacarias.

O corte foi decidido à meses, pois seria o definitivo que eu teria para o resto da eternidade. Segundo o cubo, caso eu raspasse após me tornar imortal, o cabelo cresceria novamente, mas só até aquele tamanho. O tamanho que tinha no momento do aceite do contrato.

O mesmo valia para a barba, aquela questão foi mais demorada para decidir.

Normalmente eu usava o rosto limpo, mas eventualmente usava barba. Se eu raspasse, jamais teria barba novamente, então decidi não arriscar.

Me condenei a ter de me barbear para sempre, mas era melhor do que querer ter barba e não poder.

Aquelas questões eram tão vazias e sem importância, mas quando eu parava para pensar em como seria viver para sempre, pareciam coisas valiosas.

Como já estava à alguns dias por fazer, a barba demorou apenas cinco dias para ficar no tamanho que eu desejava.

Era uma sexta-feira à noite, véspera do meu encontro com a Julia e o dia em que eu decidi me tornar imortal.

Fui até o banheiro, tirei a tampa da caixa do vaso sanitário e retirei o pacote de dentro da água, com cuidado, usando uma toalha para não respingar o chão.

Já com o pacote seco, rasguei-o com as mãos mesmo e coloquei o pote em cima da mesa.

Não consegui abrir o pote de imediato. Mesmo querendo muito, sentia calafrios.

Também pudera, era uma mudança gigantesca, sem precedentes e sem volta.

Qualquer decisão que seja irremediável, por menor que seja, causa um certo nervosismo, agora imagine uma decisão daquela magnitude?

Observei o pote por um longo tempo, como se ele fosse fazer algo inusitado como se mover, mudar de cor ou tomar a decisão por mim.

Decidi abrir e lá estava o cubo negro.

Rolei-o de dentro do pote até minha mão e esfreguei uma das faces, como se estivesse me certificando de que era real.

Mesmo em todo aquele tempo com ele parecia tudo um grande sonho e senti um aperto no peito, temendo ter uma enorme decepção se o cubo estivesse mentindo ou fosse parte de uma grande pegadinha.

Teria de ser uma pessoa realmente doentia para sustentar uma pegadinha por quase dois anos.

— Hei, cubo, você está aí? — perguntei, engolindo seco.

Afirmativo! — ele respondeu, me tirando parte do peso sobre os ombros.

Fazia um certo tempo que eu não falava com o cubo e imaginei que ele pudesse ter ido embora, morrido ou parado de funcionar.

Respirei fundo e continuei.

— Como faço para fazer o contrato da imortalidade? — indo direto ao ponto. — O que eu preciso fazer?

É feito de forma verbal. No momento em que disser que aceita o contrato, estará feito e eu estarei livre.

— Livre? Você irá embora?

Sim!

— E pra onde você vai?

Para o local de onde eu vim.

— E onde é o local de onde você veio?

Essa informação é irrelevante para o contrato.

— Tá bom, deixa só eu ver se está tudo certo.

Peguei uma lista, também dentro do pote, onde escrevi todas as medidas importantes que deveria tomar. Tudo parecia estar pronto.

Memórias de um ImortalOnde histórias criam vida. Descubra agora