Por três dias permaneci imóvel, ajoelhado.
O vento baixou a temperatura do meu corpo, que estava praticamente incandescente e
senti, pouco a pouco, os efeitos do gás diminuindo enquanto eu começava a me regenerar.
A dor constante me deixou praticamente dormente após as primeiras vinte e quatro horas.
Quando meus olhos puderam enxergar novamente, avistei o corpo carbonizado de Sara em minha frente.
Se eu não tivesse desistido de minha humanidade, deixando de respirar, teria sentido os efeitos do gás e não teria ignorado aquela tosse de Sara.
Ninguém merecia um final daqueles, muito menos uma criança que mal havia chegado ao mundo.
Estiquei o braço vagarosamente na direção dela e senti minha pele ranger, como um pedaço de couro que ficou tempo demais no Sol.
Ao tocar sua mão, ela começou a esfarelar, virando um punhado de cinzas, tendo parte delas carregadas pelo vento.
Me veio a cabeça que se o grupo para onde eu me dirigia estava naquela cidade, então certamente tiveram o mesmo trágico final de Sara.
Todos mortos!
A humanidade parecia que teimava em autodestruir-se, decidi então que eu poderia ajudar no processo, afinal, se todos ao meu redor tinham sempre um trágico final, porque não usar isso ao meu favor?
Talvez essa fosse a minha missão, talvez esse fosse o desejo do cubo ao me dar a imortalidade.
Eu deveria acompanhar a humanidade e encaminhá-la a sua própria extinção.
Cansei de lutar contra a maldição e decidi me render à ela.
Juntei o que pude das cinzas que sobraram de Sara e as coloquei em um dos cantis, que estavam vazios.
Da sacola saquei o mapa, desdobrando-o, e o estudei por alguns minutos, decorando os caminhos necessários para meu novo objetivo.
Levantei-me e caminhei, atravessando a cidade com meu corpo ainda parcialmente queimado.
Segui pela rodovia para fora daquele lugar, passando em frente ao parque onde Sara havia tido seu último momento de alegria.
Retirei da sacola o cantil e despejei suas cinzas, espalhando-as sobre os cavalos do carrossel, para que ela possa descansar para sempre no local mais feliz que havia visitado.
Após um minuto de silêncio em respeito a Sara, parti novamente, marchando sem parar.
O dia se tornou noite e a noite se tornou dia, então se tornou noite novamente e novamente o Sol surgiu no horizonte.
Minhas queimaduras diminuíram, mas ainda eram graves o suficiente para causar muita dor.
Dor que aprendi a controlar ao longo do tempo.
Finalmente cheguei na cidade destino, o local onde eu iria terminar com tudo, o ponto do mapa marcado com a cabeça de lobo.
A base da Alcatéia.
Não haviam soldados na entrada, como pensei. Mesmo eles têm uma quantidade de membros bem pequena e não teriam como guardar a cidade inteira.
Provavelmente teriam uma base principal em algum lugar dali e, esse lugar sim, deveria ser bem guardado.
Como de costume, procurei por um lugar alto, sempre tomando cuidado para não ser descoberto.
Não escolhi o ponto mais alto, pois provavelmente haveriam soldados utilizando o local como posto avançado, pois poderiam observar boa parte da cidade de lá.
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Memórias de um Imortal
AdventureDesde os primórdios dos tempos a humanidade busca uma forma de estender o seu tempo neste mundo, desejam a juventude eterna, a imortalidade. Mas quando se fala em imortalidade, diversas vantagens nos vêm à cabeça, como se a vida fosse se tornar um e...