Diferente de quando eu hibernava, não havia noção de tempo quando eu simplesmente apagava devido à danos físicos, então não faço ideia de quanto tempo eu "dormi", mas calculo que tenha sido por volta de dez dias.
Quando abri os olhos enxerguei apenas algo embaçado, mas consegui entender que estava debaixo d'água.
Tentei mover meu corpo mas ele parecia não estar lá... Pelo menos parte dele não.
Iniciei uma série de testes mentais, tentando compreender o quanto de mim tinha restado, sentia os músculos do pescoço e conseguia mexer os músculos peitorais, mas os do abdômen pareciam travados, funcionando parcialmente.
Tentei abrir e fechar as mãos, mas não havia nada para abrir e fechar.
Movimentei os braços e percebi que eram apenas dois cotocos, que terminavam um pouco antes dos cotovelos.
Por um instante quase respirei fundo, tentando aliviar a tensão, mas teria sido um erro terrível fazer isso embaixo d'água. Iria me afogar sem conseguir expelir toda a água e minha agonia iria durar até o dia em que eu conseguisse sair daquele lago.
Demorei alguns minutos para lembrar o que tinha ocorrido, então recordei-me dos vermes, meu corpo preso à árvore e do carro, caindo barranco abaixo, levando consigo minha cabeça presa pelo cabo de aço do guincho.
Provavelmente o puxão do cabo de aço arremessou minha cabeça no lago e cá estou, me regenerando lentamente.
Fiquei pensando em como estariam aqueles vermes, pois o pedaço do meu corpo que se regenerava sumia na mesma proporção no meu corpo antigo. Logo, logo estariam passando fome, aqueles malditos. Bem feito para eles!
Pensando bem, fui bem ingênuo em achar que poderia hibernar tranquilamente naquele local por vários anos. A chance de acontecer qualquer tipo de merda era imensa.
Alguém podia ter me encontrado, algum animal me atacado, ou as moscas poderiam colocar seus ovos no meu corpo, que serviria de alimento para as larvas quando os ovos eclodissem.
Tirando a cabeça, que mantive a mesma, todo o restante do meu corpo iria se regenerar, o que era algo novo para mim.
Nunca havia passado por aquilo antes, o que me deixou com algumas perguntas: já que a premissa é que meu corpo, quando destruído, iria retornar à forma original do momento em que fiz o contrato, então se minha cabeça fosse destruída também, quando eu me regenerasse, iria ter apenas as memórias anteriores às do dia do contrato? Afinal, as memórias ficam no cérebro e, teoricamente, meu cérebro seria refeito à imagem daquele cérebro do dia em que me tornei imortal, as memórias novas não deveriam vir junto.
Não era algo agradável perder todas as memórias de uma vida, mas poderia ser interessante usar isso em caso de algum trauma ou se eu enjoasse totalmente da minha vida, poderia recomeçar do zero, aprendendo tudo como se fosse novo.
Eu poderia até mesmo deixar algumas pistas para o "eu" desmemoriado seguir, apenas por diversão.
Tive bastante tempo para pensar nessas coisas enquanto estive no fundo daquele lago, dia após dia.
Pelos meus cálculos, regenerar o corpo inteiro demorava cerca de um mês.
Felizmente era verão, pois não seria nada agradável ficar tanto tempo na água fria.
Basicamente passei o tempo hibernando e acordando dia após dia, apenas para ver o quanto já havia me regenerado.
Meu tórax ficou completo quase ao mesmo tempo que as mãos estavam prontas, aí só restava esperar as pernas completarem o processo.
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Memórias de um Imortal
AventureDesde os primórdios dos tempos a humanidade busca uma forma de estender o seu tempo neste mundo, desejam a juventude eterna, a imortalidade. Mas quando se fala em imortalidade, diversas vantagens nos vêm à cabeça, como se a vida fosse se tornar um e...