Enquanto passava a manteiga no pão, o aroma do café tomava conta da casa, então o servi em uma xícara, completando meu café da manhã.
Sendo imortal descobri que comer era mais do que algo necessário para sobreviver, era como um vício e também podia ser usado para passar o tempo. Alias, dormir também era um passatempo que eu, aos poucos, aprendi a controlar.
Eu podia dormir e acordar exatamente no momento em que eu quisesse, podendo escolher entre dormir por alguns minutos ou até dias seguidos, parecia parte do pacote dos "poderes" que desenvolvi ao me tornar imortal.
Depois de comer, tirei a atadura que cobria meu dedo, que amputei à três dias com uma faca de carne.
Em cima da mesa havia duas fotos, em uma delas estava capturado o meu dedo no dia em que o cortei fora, na segunda o mesmo dedo mas no dia posterior.
Comparando como estava agora, era bem óbvio que ele estava se regenerando, faltando só um pequeno pedaço.
Fui até meu quarto e tirei de cima do armário um vidro com água, dentro dele estava boiando a ponta do dedo amputado. Estranhamente estava do tamanho exato do pedaço que faltava para se regenerar, como se a medida que minha mão fosse se regenerando, o pedaço amputado fosse sumindo.
Eu estava aprendendo algo novo sobre minha imortalidade a cada dia. Parecia sempre haver algo novo.
Ainda sim, nunca ficar cansado e não precisar dormir me traziam um tédio inacreditável. Tanto que estava contando as horas para ir cuidar do pátio da dona Camélia.
Tomei um banho e estava me vestindo, quando ouvi um grito, seguido de um barulho de algo quebrando.
Terminei rapidamente de colocar a roupa e abri a porta. Tudo o que vi foi aquele sujeito que rondava a casa da dona Camélia correr para dentro de um beco, em frente a minha casa.
Quando olhei para o lado vi a dona Camélia caída no chão, ao lado de sua cadeira de balanço despedaçada.
Corri até ela, pulando por cima do muro que separava nossas casas e apoiei sua cabeça com meu braço.
— Dona Camélia, o que aconteceu?
Ela não parecia ferida, mas estava em prantos e não conseguia se levantar, uma pequena queda para uma pessoa naquela idade era perigoso.
— Ele levou meu colar! A lembrança do meu marido! Ele levou! — chorava, desconsolada.
— Espere aqui! — correndo em disparada em seguida, saltando por cima do portão e seguindo para o beco, por onde o sujeito havia fugido.
"Eu sou imortal, eu sou imortal, eu sou imortal", repetia para mim, tentando acalmar meu corpo, que tremia com medo.
O caminho entre as duas casas era estreito no início, mas alargava um pouco na metade, ficando quase em uma largura onde caberia um carro. O chão era de terra com pedras soltas por cima e algumas gramas nas laterais.
Algumas casas tinham sua saída para aquele corredor do beco e as pessoas ficavam sentadas no degrau de suas portas, enquanto eu passava correndo por elas.
Aproveitei as portas, quase todas abertas, para espiar dentro das casas, tentando localizar o sujeito que roubou a dona Camélia, ele não tinha como estar longe dali.
Mais um pouco à frente e localizei o ladrão, entrando em uma casa de tijolo à vista com uma porta de alumínio onde havia uma grade com vidro na parte superior.
Ele claramente apenas encostou a porta ao entrar, eu parei na frente dela e hesitei entrar.
Não importa o quão irracional fosse aquele medo, eu não tinha como evitar sentí-lo. Não é como se houvesse um botão liga/desliga no cérebro para essas coisas.
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Memórias de um Imortal
AdventureDesde os primórdios dos tempos a humanidade busca uma forma de estender o seu tempo neste mundo, desejam a juventude eterna, a imortalidade. Mas quando se fala em imortalidade, diversas vantagens nos vêm à cabeça, como se a vida fosse se tornar um e...