Parte 02.4 - Bernardo

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O mundo continua em sua órbita, que parece ser sentida pela minha cabeça que não para de girar e os carros fazem loops em viadutos congestionados, cuspindo toneladas de gás carbônico para nossos pulmões, acelerando a morte que todos buscam a partir do momento que nascem e auxiliando o tabaco a nos dar um triste fim.

Chego ao prédio exausto depois de uma longa caminhada e como se sentisse o cheiro do meu fracasso, o síndico surge na minha frente e cobra o aluguel, assim mesmo, no meio da rua, como se eu fosse o Seu Madruga e provavelmente dou o mesmo sorriso como pagamento. Penso em pegar apenas minhas roupas e fugir, mas a esperança não me abandona, eu tomo banho e me deito, como se dormir fosse me fazer acordar para em um dia em que este não existiu.

Tenho um sonho bizarro em que posso ver eu mesmo, mas não sou eu, embora tenha a mesma cara. Então, alguém lá atrás me chama e apesar de não ser o meu nome, eu atendo como se fosse e eu gesticulo de uma maneira que eu nunca fiz; ordeno coisas que eu nunca faria e digo coisas que me soam estranhas. De repente, um homem assustador vestido com terno e gravata se aproxima e joga dinheiro em mim, eu corro e quanto mais eu carro, mais ele joga e eu caio, sendo perfurado por maços de notas que arrancam a minha vida.

Acordo sobressaltado e misteriosamente animado, como se aquilo fosse uma resposta a algo, apesar de ainda não saber. Minha única certeza é que não vou desistir tão fácil e não vai ser a falta de grana que vai me derrubar. Se alguém pensou isso, é porque ainda não me conhece, eu sou o Bernardo!

Levanto, troco de roupa e começo a procurar pelas gavetas e bolsos de calça por aquilo que vai me trazer a disposição necessária. Eu encontro meio pino de pó e mando tudo de uma vez, o que me torna invencível. – Mélly que me perdoe, mas estou em uma urgência – Mais um sinal de que a sorte está mudando aparece e eu encontro vinte reais embaixo de uma caixa na escrivaninha.

Saio do meu prédio como um relâmpago e vou até uma banca, coloco dez reais de recarga no meu celular e caminho até um boteco, confiante. Compro duas fichas de sinuca, uma cerveja e lanço o desafio de uma melhor de três, com a condição de que o perdedor paga a próxima rodada de fichas e a cerveja. Um garoto de boné é o meu primeiro adversário.

Com minha recarga, eu contrato um pacote de voz e enquanto encaçapo algumas bolas, vou ligar para todas as casas noturnas e produtoras que conheço para fechar pra ontem shows com a Fighting and Flighting. Isso precisa dar certo! Vai dar certo!

Logo na primeira ligação, o celular chama e depois de um tempo cai na caixa postal, um frio na barriga se alastra, mas eu parto para o próximo – "Atende! Atende! Atende!" – Eu torço, ao tragar meu cigarro e esperar pela minha vez na partida. Após o terceiro toque, César, da Rock Império, atende e eu comemoro sacudindo os punhos fechados.

- Sou eu, Bernardo da Fighting and Flighting. Fighting and Flighting. Tocamos aí umas três vezes, não está lembrado? Isso! Da Mélly e da Jélly. Cara, que tal fechar um show? Estão com a agenda fechada? A gente pode abrir...e durante a semana? Tudo bem então.

Eu não consigo na primeira chamada e também perco a primeira partida, então coloco a segunda ficha e ligo para o próximo número dos meus contatos.

Eu estouro e duas bolas caem. É um bom sinal! Na Punky produções, nada! A bola vermelha cai. Abracadabra – Não!

- Olá! Aqui é o Bernardo... "- Agenda cheia."

- Sou da Fighting and Flighting. " – Desculpe..."

- and Flighting... "- Vocês destruíram meu camarim, seu filho da..."

- Te devendo? Ah, seu desgraçado! Você quem não...

- Arthur, firmeza? Alô?

Eu pensava que nossa popularidade fosse melhor, pelo visto me enganei, assim como quanto as minhas habilidades na sinuca. Perco a segunda partida sem nem mesmo começar a ganhar. Do outro lado da mesa, o cara pergunta se quero revanche, eu aceito.

Continuo ligando e continuo perdendo, perco a segunda rodada, e a terceira e a quarta, a quinta. Finalmente ganho a sexta, me empolgo para jogar a sétima, mas também perco. Eu já estou bêbado, não sei como vou fazer para pagar a conta e não consegui fechar sequer um show. Peço pra parar e vou até o banheiro, a fim de checar se consigo fugir pela janela, mas até nisso fracasso, as janelas têm grades. Outro homem entra no banheiro, eu o cumprimento disfarçando meu desespero.

O meu reflexo no espelho me assusta, faz com que eu me lembre do sonho que tive. Quando foi que me tornei um cadáver ambulante?

Jogo uma água na cara para me ajudar a responder se devo pedir para marcar ou se saio correndo. Depois de ter ouvido tantos nãos, decido que é melhor eu sair correndo, ninguém vai confiar em um bêbado. Assim que a cabine fica livre, eu entro para me aliviar, olho para o teto com as lâmpadas cheias de mosquito e pressiono as sobrancelhas, me questionando como cheguei ao fundo desse poço.

É quando percebo uma carteira no chão, perto da lixeira e uma poça de mijo, eu a pego com as pontas dos dedos e quando a abro, vejo que está recheada. Só tem notas de cem e cinquenta e completam um total de dois mil reais.

Novamente, dois mil reais nas minhas mãos, que trêmulas não sabem o que fazer. Será que Deus está me pagando, como me desejaram tantas vezes? Não, isso é só um pobre coitado que perdeu a carteira no chão do banheiro depois de receber o salário. O problema é que dentro da carteira não tem documentos, cartões, nada, apenas o dinheiro. Ouço o som da torneira, provavelmente é o homem que tinha acabado de sair daqui. Só pode ser dele aquela carteira.

- Ei, essa carteira é sua? – Pergunto saindo da cabine.

É um homem alto de óculos e vestido com terno, meus pêlos se ouriçam como os de um gato assustado, ele parece misteriosamente sóbrio e me encara nos olhos quando responde.

- Não. Por que não deixa no bar? Logo o dono aparece.

Esse dinheiro vai resolver meus problemas, mas e quanto ao cara que o perdeu? Eu não posso fazer isso. Eu acho que já aprendi a lição por querer um dinheiro que não é meu, isso só traz maldição; e dessa forma, caminho até o bar, decidido a deixar aquela carteira no caixa e sair correndo.

Bagulho EstragadoOnde histórias criam vida. Descubra agora