Me refez

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Eu havia tirado um peso de minhas costas. Não precisava mais mentir só para sair com ela, não queria mais viver uma farsa e ser fadada a viver uma vida de "eu não sou dessa forma, sou dessa que você imagina que sou". Eu era livre e ao mesmo tempo não, mas quando saí da casa de minha avó a liberdade gritou e eu pude dizer, enfim: tenho todo o tempo do mundo para você, Eliane!

Mas quem diria, não? Que quem não teria tanto tempo assim era você. Me cobrou algo que nem você tinha, achava que sim, mas não. E quando saí da casa de minha avó, pude ver que você era prisioneira tanto quanto eu. Não era questão de ser livre, você queria que eu pudesse sair quando você me chamasse, sem precisar de hora para voltar, pois você inventaria uma desculpa qualquer, mas eu não teria esse poder todo de inventar uma história convincente para minha avó. E realmente, eu não conseguiria. Mais esperta que minha avó, está para nascer, pois ainda não conheço ninguém.

— Tu te arrependeu de vir morar aqui? — Minha mãe me perguntou ao me ver sentada na rua sozinha.

— Não! — Sorri.

— Não é o que me parece.

— Eu saí de lá pelo meu amor, porquê me arrependeria? São escolhas, mãe! E enquanto ela me permitir poder escolhe-la, escolherei! Sempre!

— E tu acha isso certo? Escolher uma mulher sem você saber se ela irá te escolher?

— Mãe! Quando você achou que deveria ficar com o meu pai, mesmo a vó Terezinha dizendo que não, mesmo assim você o escolheu. Por que eu, que amo tanto a Eliane, não a escolheria? É uma questão de escolha, não de reciprocidade. Eu não espero que ela faça o mesmo por mim só pelo simples fato de eu fazer, quero que ela faça quando achar necessário e realmente querer me escolher. Darei todo o meu amor para ela quando este dia chegar, mas por enquanto, só a amarei e farei o que estiver ao meu alcance para que ela sinta-se amada e desejada por mim.

— Quero que tu seja feliz ao lado dela. Gostaria que ela te fizesse feliz.

— Ela faz, quando estamos juntas.

— Mas isso deveria durar até mesmo quando não estiverem juntas.

— Eu sei... É que o meu medo de perdê-la fala mais alto, me deixando triste. Fico pensando que a qualquer momento ela pode me deixar. Que a qualquer momento ela verá que gosta mais do marido do que de mim e isso machuca tanto. Dói tanto.

— Essa tua insegura é comum, ela é casada.

— Eu sei que a senhora não gosta nenhum pouco deste relacionamento...

— Não! Mas respeito tua escolha e jamais a trataria mal se um dia a trouxesse aqui.

— Eu sei. — Sorri. — Queria tanto que ela quisesse te conhecer.

— Talvez algum dia. A única coisa que eu posso dizer é: não desista, já que a ama tanto como diz e demonstrar para todos nós. Só tente não se machucar tanto.

— As vezes queria tanto ser mais velha, ter uma condição de vida formada por mim. Poderíamos ficar juntas, se ela quisesse, claro.

— Mas tu terá! E se ela te amar mesmo, deixará ele.

— Será?

— Lógico! Lembra das histórias que te contei sobre teu pai e eu? Sobre ele passar por cima de tudo para ficar comigo?

— Sim! E você também.

— Sim! Eu briguei com todos e passei 10 anos de minha vida ao lado do homem que eu tanto amava e queria. Fui feliz? Sim, pois tivemos mais momentos bons do que ruins. Vivi o que eu queria viver ao lado dele e estaria até hoje se ele não tivesse me traído com a Juliana. Mas sim, ele escolheu outra pessoa e eu segui minha vida. Sofri muito, mas sempre tive aquela ideia na cabeça: eu vivi com ele o que tinha para viver, não era para ser nós para sempre, mas fomos nós enquanto durou. Quero que você tenha essa mesma percepção, pois a vida é uma só, igual os amores que vem e que se vão.

— Gente, dona Deise filosofando.

— Gostou? Aprendi contigo!

— Mãe! — Gargalhei. — Mas é verdade!

— Claro que é! Só não fique falando nela a todo tempo, isso faz mal a você. Eu sei que é maravilhoso estar apaixonada, mas você tem uma vida além dela. Tem que terminar os estudos e trabalhar para ocupar um pouco tua cabeça. Será bom para você.

— Eu sei. Trabalho está difícil de se conseguir, você sabe, mas tentarei não pensar nela tanto e nem falar. Acho que não falar nela eu consigo, mas não pensar... Será difícil, acho que nem quero não pensar nela. Gosto de tê-la em meus pensamentos.

— É tão lindo isso que tu sente. — Revirou os olhos e sorriu. — Sei exatamente o quê é isso. Já senti.

— Pelo meu pai?

— Sim! Nunca vou amar alguém como amei ele. Fiz de tudo para ficar com ele, entreguei minha vida nas mãos daquele homem. Por isso te entendo perfeitamente, pois me vejo em ti. Lembro-me das loucuras e fico pensando: eu era completamente dele, meu amor era completamente dele.

— Assim como o meu é dela. Sei que ela não acredita, mas é sim.

— Calma! Ela viu muito na vida, está na defensiva.

— Talvez pelo que ela passou. Muitas pessoas a machucaram tanto. E o cara que ela amou de verdade não a quis por inteiro. — Minha mãe me olhou séria.

— O quê aconteceu com os dois?

— Não posso contar, ela pediu.

— Mas ela não saberá.

— Mas eu saberei.

— Enfim, deixe ela perceber o teu amor, depois essa desconfiança passa e vocês duas estarão juntas. Só espere!

— Tomara! — Sorri e ela entrou para dentro de casa.

Era bom falar sobre o que eu estava sentindo com minha mãe, ela não me julgava só me dava forças para seguir em frente. Nós duas não tínhamos o relacionamento típico: mãe e filha, mas ela me dava a maior força para ficar com quem eu amava. Ela me conhecia tão bem e sabia que aquele sentimento todo não seria passageiro e minha única meta era convencer Eliane de todo àquele sentimento.

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