Sentir a Dor

2.5K 301 201
                                    

[Eu tentei explicar o porquê de eu estar tão triste, mas nada saiu, então eu percebi que eu também não sabia o porquê.]

— 6 DE JUNHO DE 1996 —

Capítulo sete

...

Isaac estava sentado na mesa da sala de jantar, à sua frente permanecia uma folha ainda em branco, acompanhada de diversas cores de giz-de-cera. Basicamente o seu paraíso particular. Quando ninguém estava em casa, em momentos raros, permitia-se sair um pouco do seu quarto; preferindo ficar no quintal ou na sala de jantar, uma vez que a luminosidade da janela sempre vinha até à mesa, assim não sendo necessário ligar a luz e ter a chance de chamar a atenção de alguém.

Na maior parte das vezes, ao ouvir a porta abrindo-se e os passos pesados de Aeryn, pegava tudo rapidamente e escondia-se por um tempo atrás dos balcões da cozinha para enfim subir ao segundo andar sem ser pego. Quando era a sua mãe, no entanto, permanecia por lá até o seu pai chegar. E no dia de hoje, não sabia ao certo quem chegaria primeiro, o que aumentou o seu estado de alerta exponencialmente.

Ainda assim, o giz passava sem preocupações sobre a folha, rabiscando o que tornaria-se um novo desenho para Matthew. Gostaria tanto que ele fosse o seu pai, até mesmo sonhando com essa possibilidade em uma noite. As coisas seriam muito mais fáceis, sabia bem disso. Matthew era carinhoso, sempre abraçava-o e identificava instantaneamente quando havia algo de errado, realmente um mágico! Sabia que aquele homem nunca seguraria o seu rosto fortemente e o forçaria a tomar um medicamento, por conseguinte derramando um líquido em sua boca que foi capaz de queimar a sua garganta em instantâneo.

No dia seguinte do incidente, passou mal o dia inteiro. Seu estômago doía, vomitando toda a vez que tentava comer algo novo, e apesar da sua mãe insistir que deveriam levá-lo em um médico para examiná-lo e ver se houve alguma complicação, Aeryn proibiu-a. Os dois discutiram ardentemente naquela noite, e Isaac, mesmo sonolento e mal conseguindo manter os olhos abertos de tanto cansaço, ouviu tapas e gritos de dor depois que deixaram o seu quarto.

Aos poucos melhorou, mesmo que tivesse faltado por alguns dias na escola, preocupando Jenny, que certo dia apareceu de surpresa na sua casa para perguntar se estava tudo bem. Viu-a de longe, já que estava no sofá da sala, usando um inalador para conseguir respirar direito, mas mesmo que quisesse deixá-la entrar para brincar e conversar, Aeryn negou, argumentando que estava doente e poderia ser contagioso. No fim, ela foi embora tristonha, entregando para o seu pai uma barra de chocolate, que supostamente deveria ser um presente para o garoto, mas que acabou sendo comida pelo homem no instante que a porta fechou-se.

Quando voltou para a escola, não tocaram no assunto e a amizade retornou ao normal, sempre conversando durante o intervalo e brincando nos balanços, na gangorra e no trepa-trepa. Jenny até mesmo passava mais tempo com ele do que James e o resto da sua turma, e foi pensar nisso que trouxe um singelo sorriso no seu rosto enquanto pintava o cabelo escuro de Matthew.

Rabiscou os grandes e cintilantes óculos, bem como a barba rala que cobria o seu rosto e a escolha de roupa sempre neutra, com um casaco acima de algum suéter e uma calça ligeiramente justa. Gostava das roupas dele, mesmo que às vezes ele exagerasse nas estampas dos seus suéteres, então lembrando-se da vez que brincou com ele por chamá-lo de ''vovô''.

Respirou fundo, partindo para a outra parte do desenho, onde faria a si mesmo segurando a mão do homem enquanto um grande sorriso iluminava o próprio rosto. Normalmente não gostava de se desenhar, já que nunca sabia ao certo como fazer, não sabia bem como era o seu rosto. Sempre que tinha de desenhar um auto-retrato, recordava-se do que os outros falaram sobre a sua aparência, mesmo que, na maior parte das vezes, o único adjetivo que usaram foi ''esquisito''.

Sentimentos InaptosOnde histórias criam vida. Descubra agora