[Muitos pais fazem de tudo por seus filhos, exceto os deixar serem eles mesmos.]
— 10 DE ABRIL DE 1996 —
Capítulo cinco
...
Isaac brincava com o seu carrinho enquanto permanecia sentado no chão de madeira do seu quarto. Imitava os sons do automóvel com a sua boca à medida que o cruzava pelo cômodo, passando por cima dos móveis e traçando as paredes, imaginando estar em uma corrida repleta de obstáculos mortais.
— Será que ele consegue? Será? — Forçava a sua voz em um tom grave, fingindo ser um famoso locutor. — Isaac está concentrado. Ninguém sabe se ele vai conseguir. — Parou o brinquedo sobre o parapeito da janela, respirando fundo, como se fosse o piloto dentro dele. — Ele pensa bem antes de... Vruuuummmm....! — Faz uma rampa imaginária enquanto o levava pelos ares, pousando-o suave nos lençóis da sua cama. — E ele conseguiu! Ele conseguiu!
Como se fosse o piloto deixando o carro, larga o automóvel na cama e vira-se para uma plateia imaginária, curvando-se e agradecendo os aplausos com um sorriso orgulhoso estampado em seu rosto.
Era assim que passava o resto das tardes no seu quarto. Afinal, não tinha muitas chances de deixá-lo, senão para ir à sua escola ou visitar Matthew uma vez durante a semana. Se possuísse a escolha, sem dúvidas tentaria brincar com os seus carrinhos junto a outra criança, mas ainda ninguém estava próximo o suficiente para que conseguisse lhe pedir algo tão simples.
Havia aquela menina ruiva, de fato. Ela agora aproximava-se sempre que sentava-se no balanço, trocando algumas poucas palavras antes de levantar-se e juntar-se aos demais. Ela parecia legal, embora falasse algumas coisas que o magoavam, mesmo sendo sem a intenção. Por causa dela, ficava à frente do espelho por alguns minutos antes de ir à escola, apenas para repetir inúmeras vezes as palavras que sentia mais dificuldade em pronunciar e não ser chamado de "lerdo" ou "esquisito" ao chegar.
Então respirou fundo, observando o carrinho sobre a sua cama antes do sorriso se desvanecer juntamente a sua vontade de continuar brincando. Em algum momento, o desânimo sempre vinha. Não tinha graça fazer tudo dentro daquele quarto, como se fosse um novo vírus a ser contido.
Mal conseguiu aproveitar o inverno, e agora que a neve de fato estava derretendo, gostaria de poder brincar com ela, afundar os seus dedos e sentir a grama verdinha novamente.
Deu de ombros então, sabendo que não adiantava pensar sobre isso, uma vez que tudo dependia da vontade do seu pai e não da sua. Por isso, aproximou-se da sua cama e pegou calmamente o brinquedo com as suas mãozinhas, guardando-o no baú ao canto do quarto.
Para o seu azar, Brooke e Anne não estavam em casa. Não sabia exatamente aonde elas tinham ido, mas ouviu alguma conversa sobre procurar uma creche para a menina passar a tarde e conhecer novas crianças. Gostaria de ser sortudo como ela.
Isaac então dirigiu-se até a porta do seu quarto, sabendo que havia dois possíveis locais para o seu pai estar no momento. Um era no sofá da sala de estar, assistindo televisão ou lendo um livro, e outro era em seu quarto. Rezava para que fosse a segunda opção, já que gostaria de descer as escadarias e pegar uma coisa para alimentar-se.
Já passava do seu horário e ouvia o ronco do seu estômago ressoar pelo seu quarto, o que indicava, sem dúvida, que necessitava encontrar qualquer coisa comestível.
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Sentimentos Inaptos
HororE se você não conseguisse sentir nada? Isaac Evans é um adolescente portador de uma síndrome rara, que o impede de sentir qualquer estímulo externo em seu corpo. Em meio a descobertas circundantes à sua sexualidade e liberdade, também está atado aos...