[''Ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele. '']
— 3 DE ABRIL DE 1997 —
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Capitulo onze
Isaac encarava fixamente o seu reflexo no espelho do banheiro. No momento, arrumava-se para mais uma consulta com Matthew, embora não soubesse como chegaria até lá, dado que o seu pai não estava em casa para levá-lo de carro. Respirou fundo, exibindo um semblante nada agradável à medida que vestia as roupas escolhidas pela sua mãe.
Ainda não parecia certo olhar-se no espelho; era como se sempre que o fizesse, visse refletido o garoto assustado e sujo do dia da purificação. Não conseguia tirar esse momento da cabeça, embora já houvesse se passado quase um mês do ocorrido. Depois daquilo, seu pai ficou ligeiramente mais distante, tratando-o com mais repugnância do que anteriormente, como se agora tampouco tocá-lo pudesse lhe transmitir alguma doença.
O que não lhe ajudou em nada quando, uma semana depois, uma infecção na garganta foi descoberta. Trataram como um possível vírus que se espalhava pela região, — visto que casos semelhantes estavam sendo observados — assim, permanecendo uma semana recluso no próprio quarto até os sintomas diminuírem depois de alguns comprimidos e antibióticos. Por conta disso, não era a primeira consulta com Matthew após a purificação, quando estava péssimo fisicamente e mentalmente.
Assim que melhorou, novamente foi ameaçado para manter a boca bem fechada, o que faria mesmo sem qualquer ultraje. Afinal, envergonhava-se com o que acontecera, e via-se mais como uma falha por algo daquela magnitude ter falhado para a sua síndrome — como se fosse algo tão simples de ser resolvido. Portanto, quando se encontrou com Matthew após o ocorrido, a consulta prosseguiu como sempre, embora ele tenha pressionado a tecla de que era evidente que havia algo o incomodando.
E realmente havia. Mas não podia contar para o homem o que era, afinal, mal compreendia e pensava não conseguir descrever o sentimento. Como poderia lhe afirmar que sentiu enfim algo e foi o pior momento da sua vida? Ele não acreditaria, até porque não fazia sentido. O máximo que poderia exprimir era que se sentia cansado o tempo todo; sujo.
Enfim tirou isso da cabeça, terminando de arrumar-se ao calçar o seu tênis. Seguidamente, saiu do banheiro e deparou-se com a figura da sua mãe parada ao lado da porta do seu quarto, examinando ou apenas olhando diretamente para algo.
— Mãe? — Chamou a sua atenção, vendo-a virar-se na sua direção e dispor um sorriso afável no rosto à medida que se agachava para ficar à sua altura.
— Oi, querido. Eu tava te procurando. — Manteve o sorriso na face, abrindo as mãos à sua frente e revelando um colar com um pingente em formato de crucifixo.
— O que... é isso? — Franziu o cenho, pegando-o pela corrente e o examinando atentamente.
— Seu pai comprou pra você. — Suspirou, sinalizando para que se aproximasse, e assim o fez. — Disse que é pra você usar, querido.
— Não quero. — Grunhiu, devolvendo o colar. — É feio.
— Isaac... não vamos arranjar problema com o seu pai, que tal? Ele lhe comprou um colar, não custa nada usá-lo...
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Sentimentos Inaptos
HorrorE se você não conseguisse sentir nada? Isaac Evans é um adolescente portador de uma síndrome rara, que o impede de sentir qualquer estímulo externo em seu corpo. Em meio a descobertas circundantes à sua sexualidade e liberdade, também está atado aos...