["Ele está de volta. O monstro. Sinto-o sob a minha pele e minha mente"]
— 14 DE MARÇO DE 1997 —
Capítulo dez
...
Isaac observava o chacoalhar das folhas com a brisa suave a cada embalada que se proporcionava naquele balanço quase que enferrujado da pracinha próxima à sua casa. Ainda não compreendia porque o seu pai havia lhe permitido ir sozinho, mas o raciocínio logo se concluiu quando percebeu aquela mulher de outros encontros adentrar a sua morada. Era evidente que depois de tantos incidentes ele não queria mais testar a paciência da moça, mesmo que ela não tivesse ideia que uma criança os observou no último ano.
De qualquer forma, isso pouco lhe importava agora, uma vez que poderia apenas balançar-se naquele local vazio de sempre sem ninguém para lhe atrapalhar. Se não tivesse sido tão abrupto, poderia até mesmo ter pego os seus materiais de desenho para divertir-se um pouco, porém não teve tempo, deixando-lhe apenas a contemplar a paisagem monótona e monocromática do seu bairro. Todas as casas eram semelhantes, diferindo apenas do que expunham no pequeno quintal frontal ou nos fundos.
Algumas possuíam cercas maiores, outras não tinham proteção alguma. No caso da sua, uma pequena cerca branca se fazia presente à beira da calçada. Dentre todas as casas, julgava que a sua era a mais vívida.
Enquanto se balançava, também percebeu o olhar curioso de uma senhora que caminhava pelas ruas. Sabia que ela era a sua vizinha da frente, afinal, já tinha a visto algumas vezes antes, embora nunca trocara qualquer palavra.
— Ei, garotinho! — E então a sua voz surgiu à medida em que se aproximava em seu passo apressado e desajeitado. — Por que está sozinho aqui? Onde estão os seus pais?
— Ah... — Desviou o olhar, cessando um pouco o seu embalar. — Eu só vim aqui pra passar o tempo, senhora. — Disse baixo, com medo de ser repreendido.
— Que garotinho bem educado. — Ela riu-se, apoiando-se com cuidado no ferro do balanço, como se a curta caminhada já a houvesse cansado. — Qual é o seu nome, coisa fofa?
— Isaac. — Sorriu. — E o seu?
— Madeleine. — Retribuiu o sorriso. — Mas agora todos me chamam de vó Maddi.
— Vó... Maddi? — Arqueou as sobrancelhas, levando as mãos firmemente nas correntes. — Não é errado as pessoas te chamarem de vó mesmo você não sendo vó delas?
— Oh, não, querido... Eu realmente não me importo. — Suspirou, observando o cabelo bagunçado da criança. — Eu não tenho netos, então eu não me importo muito. Se quiser, pode me chamar de vó Maddi também.
— Eu gostei... — Riu, levantando-se. — Vó Maddi! Eu... não tenho vó, eu acho.
— Sinto muito, querido. — Seu olhar se direcionou para alguns bancos próximos, aproximando-se e sentando-se seguido de um longo suspiro. — Aiai, Isaac... Não posso ficar muito tempo de pé. Meu joelho iria me matar!
— Sinto muito, sinto muito. — Abaixou a cabeça, seguindo-a e sentando-se ao seu lado. — Você é minha vizinha, né? Eu já te vi andando com um cachorrinho pequenininho.
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Sentimentos Inaptos
HorrorE se você não conseguisse sentir nada? Isaac Evans é um adolescente portador de uma síndrome rara, que o impede de sentir qualquer estímulo externo em seu corpo. Em meio a descobertas circundantes à sua sexualidade e liberdade, também está atado aos...