capítulo 14

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Ao final daquele relato, fiquei paralisada. Eu estava totalmente em choque. Abracei Ellen com todas minhas forças e ficamos ali por um bom tempo até ela interromper:

— Obrigada, amiga. Já estou melhor — disse emocionada se desvencilhando dos meus braços.

— Quando foi que você o denunciou? — perguntei curiosa.

Ellen ficou em silêncio e olhou para o chão envergonhada. Só então percebi que ela não tinha feito nada em relação ao desgraçado.

— Arrg... eu ainda não consigo! — respondeu ela se explicando — Me sinto como se tivesse fazendo algo errado. Inclusive, ele me pediu desculpas essa semana..

— Você ainda tem contato com esse cara, Ellen?! Depois de tudo o que ele te fez??

— Não era pra você ter se envolvido nisso... — disse ela parecendo ter se arrependido de ter me contado — Isso já aconteceu faz um tempinho mas esses hematomas não querem sair.

— Eu não quero te pressionar mas você sabe que tem que denunciar esse maluco, né?

— Ele me ama, Marina! — disse ela como se fosse óbvio de que estava certa.

— Acorda, amiga! Isso não é amor, tá? O nome disso é RELAÇÃO ABUSIVA! Como melhor amiga, meu dever é te alertar. Por favor, não cai nessa de novo...

Ela não respondeu mais nada e encerrou a conversa deitando na cama e se virando para o lado. Acho que nós duas demoramos para dormir.

 ✽✽✽                 

— Bom dia, amiga! Acorda que você precisa se arrumar.

Ellen despertou-se e pude ver em seus olhos que ela havia passado a noite chorando.

Eu estava fazendo o café da manhã para nós quando ela desceu as escadas correndo já com as malas.

— Confundi o horário do meu voo! — ela riu — Minha tia chega daqui a pouco pra me levar.

— Você nem foi embora e já estou com saudade! — falei fazendo biquinho.

— Nem me fale... — respondeu com um olhar triste.

Depois da comilança, ouvimos o barulho da buzina.
Ellen pegou suas malas e foi para o portão. Acompanhei ela e a ajudei colocando as coisas no porta-malas. Ela me deu um abraço de despedida, e disse:

— Obrigada, amiga. Não sei o que eu seria sem você!

Olhei bem para os olhos dela, e falei:

— Você sabe o que deve fazer! Por favor, não demore para tomar uma atitude. Fale comigo assim que você ganhar um celular, viu, moça?!

Ellen me abraçou de novo e entrou no carro. Dei o último aceno enquanto uma lágrima escorria em meu rosto.
Naquelas poucas horas juntas mesmo com nossas dificuldade, Ellen havia sido minha paz. Eu não contei o racismo e o assédio que sofri porque não queria que ela se preocupasse com mais coisas. Mas se eu contasse, tenho certeza que ela entenderia.. afinal, foi ela e o Léo que me abraçaram e me ajudaram a superar o episódio dentro da sala de aula, no 9° ano.

Lembrando do episódio da escola e de Léo, fazia alguns dias que eu não falava com ele. 
Decidi então ligar para ele. Chamou algumas vezes e fui recebida com aquele 'oiiiii' animado que só ele sabia dar.

Depois de alguns minutos conversando, perguntei:

— Leo.. tem certeza que tá tudo bem aí? E esse tom de voz triste?

Depois de alguns segundos sem falar nada, ele respondeu:

— Ah, Marina.. tô com alguns problemas aqui em casa...

— Se quiser falar, estou aqui! Aprendi com uma amiga que desabafar é a melhor coisa a se fazer.

Ele respirou fundo mais um vez, e falou:

— Meus pais vão se separar, Ma.
Você sabe que sempre fui um cara que coloca a família em primeiro lugar, né? Mesmo sendo filho único, eu amo minha família. Meu pai vai se mudar e provavelmente eu vou com ele. Ou não. Não sei ainda. Eu tenho que decidir só que ainda estou muito confuso!

— Te entendo. Meus pais já cogitaram essa possiblidade. Mas vai ficar tudo bem! Vou te apoiar independente da sua escolha.

Antes que ele respondesse, ouvi pelo telefone o barulho de uma porta se abrindo e a voz da mãe dele gritando. Ele não falou mais nada e desligou a ligação.

Quando nós imaginaríamos que em tão pouco tempo, a vida dos três mudaria de cabeça para baixo?

Resistência (Em Atualização)Onde histórias criam vida. Descubra agora