capítulo 18

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• 6 meses depois •

"MÃE!! Vamos chegar atrasada!" - gritei esperando na porta.

"Let's go!" - disse ela saindo do banheiro sorrindo e pegando as chaves. "Vamos passar para pegar o Léo ou ele já está lá?"

"A mãe dele vai levar." - falei já dentro do carro.

Com Léo ao meu lado eu não estaria tão nervosa assim.. Ele me deixaria calma e não me deixaria roer as unhas. Pena que a Dona Joana fazia questão de levá-lo.

"Raios! Não acredito que vou chegar tarde por causa desse trânsito de São Paulo." - bufei vendo a fila de carros que estava se formando na rua. "Disso eu não estava com saudades!"

"Teremos que nos reacostumar com isso, querida.. ou prefere continuar morando no Rio?"

Era a primeira vez em meses (já que semanas depois do pior dia da minha vida, só existiu esse assunto para todos que me conheciam) que alguém falava alguma coisa que me lembrava daquele dia horrível.
Mas eu perdoei.
O que aconteceu, resolvemos quando ainda morávamos lá. Deu tudo certo e eu perdoei todos os que me machucaram. O que adianta ficar guardando mágoas?

"Prefiro aqui em São Paulo!" - disse sorrindo.

Eu estava mexendo no celular quando vi uma notícia sobre femenicício. Aquilo me fez lembrar uma coisa..

"Hã... mãe, você lembra do que aconteceu com o ex-namorado da Ellen?"

"Ele ficou apreendido por 30 dias. Como Ellen demorou um pouco para denunciar ele, as manchas foram desaparecendo. Com isso, não acharam tão grave o caso. O outro motivo é porque ele não é maior de idade. Então o prazo para casos como esse é no máximo de 60 dias. Mas o porquê da pergunta?"

"Acabei de ler uma notícia que me lembrou disso... eu não soube quando ela o denunciou porque ela estava sem celular; e quando a polícia o "prendeu", eu estava naquela cama do hospital." - falei.

"Infelizmente, ele só ficou lá por 30 dias! Merecia muito mais dias por tudo o que ele fez! Não só ele mas como outros homens estúpidos que acham que tem o direito de bater em mulheres! Ainda bem que ela foi pra longe desse idiota!" - disse ela expressando indignação. "Falando nisso.. teve notícias sobre a mudança dela para Europa?"

"Sim, ela me telefonou e disse que está amando. O pior vai ser a saudade que vou sentir dela!"

"Fico feliz por ela!" - disse ela saindo do carro e me cutucando para dizer que havíamos chegado.

"Essa é a escola?" - falei me certificando de que era o lugar certo.

"Pelo que diz aqui na mensagem da diretora, é essa escola que você vai palestrar."

"Oi, amor!" - falou Léo se aproximando e me dando um beijo na bochecha. "Preparada para sua primeira palestra?"

"Por favor, não me deixe mais nervosa!" - falei rindo e dando um beijo nele.

Entramos na escola e fomos em direção a sala da diretora. Dei um abraço nela e ela nos conduziu ao auditório.
Léo, eu e minha mãe estávamos sozinhos no auditório esperando os alunos chegarem. Sempre brincávamos de zuar um com a cara do outro e aquele momento não foi diferente:

"Vou gravar tudo e mandar para o Cézar, tá, Marina? Seu pai vai amar!" - falou minha mãe fazendo biquinho e fingindo me filmar.

"Não precisa, mãe! Ele já está muito ocupado com consultas lá em Cuba!" - falei rindo e tampando meu rosto com minhas mãos.

"Precisa sim, Dona Juci! Essa coisa linda precisa ser vista e escutada por todos!" - disse Léo concordando com minha mãe e me enchendo de beijos.

Depois de alguns minutos, os alunos foram entrando e se acomodando.
A cada turma que entrava, eu ia ficando mais nervosa. Olhei para Léo que sussurrou um "Você consegue!" e fechei meus olhos repetindo aquela frase. Repassei em minha mente tudo o que eu falaria naquela manhã.
Quando todas as cadeiras foram preenchidas, comecei:

"Bom dia, pessoal!"

"Bom dia!" - os alunos falaram formando um belo coral.

"Eu me chamo Marina e tenho 16 anos. Não existe tanta diferença de idade entre a minha e a de vocês, não é? E isso é bom porque vamos conseguir nos entender melhor!" - falei tremendo um pouco e andando sobre o palco. "Provavelmente vocês não me conhecem porque não estudo aqui. Mas isso não importa! Hoje, estou aqui para falar sobre racismo e padrões da sociedade; sobre como você trata uma pessoa só porque para você, ela é diferente e merece ser tratada diferente também. Isso não é certo, sabia?"

Ok. Talvez eu tenha começado minha primeira palestra muito dura. Mas só assim eles iriam aprender.

"Meus ajudantes - nessa hora Léo e minha mãe riram - estão entregando pequenos papéis, que contém redes sociais minhas. Isso é para caso vocês queiram desabafar ou algo do tipo.. também tem um aplicativo onde eu escrevo algumas experiências minhas. Caso queira ler, não só as minhas histórias mas de outras pessoas, é totalmente gratuito!"

Nessa hora eu já estava mais relaxada e conseguindo descontrair com eles facilmente.
Depois de minutos falando das minhas experiências mais marcantes envolvendo racismo e dificuldades em me aceitar do jeito que eu sou, olhei para Léo e o vi fazendo um sinal indicando que estava no fim da palestra.

"Bom, gente.. para finalizar, eu quero dizer que você é linda ou lindo do jeitinho que você é! Não deixe que NINGUÉM - frizei bem essa parte para eles entenderem - diga que você tem que ser de outro jeito para agradar aquela pessoa! Se imponha! Não seja covarde como eu fui! Não deixe nada acontecer só porque você ficou com medo de contar para alguém! Não mude por causa dessa porcaria de padrão da sociedade! Você é lindo ou linda sendo assim do jeito que você é!" - falei, sentindo escorrer lágrimas em minhas bochechas.

Os alunos começaram a bater palmas e eu só conseguia chorar.

"Muito obrigada, gente! Isso foi muito importante para mim e nunca vou esquecer essa experiência!"

Todos estavam batendo palmas e alguns até chorando. Léo subiu no palco e me deu um beijo depois de dizer que eu tinha sido espetacular. Reparei que ele estava com os olhos marejados.

Me curvei para agradecer as palmas.
Senti mais uma vez, lágrimas escorrendo. Mas não era um choro de tristeza. Eu estava chorando porque eu estava muito feliz! Tudo o que aconteceu em minha vida teve seu propósito e pude dizer a todos os alunos o quão eles devem ser eles mesmos e não desistirem de nada!

"Você foi incrível, minha filha!" - disse minha mãe chorando e subindo as escadas do palco enquanto todos estavam saindo. "Me perdoa por tudo, Marina? Eu errei muito com você e nunca fiz um pedido de desculpas verdadeiro. Me orgulho por saber que você é tão autêntica assim! Você ainda vai inspirar muitos jovens! Te amo!"

"Eu já te perdoei faz tempo, mãe! Eu também te amo muito!"

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Resistência (Em Atualização)Onde histórias criam vida. Descubra agora