Toda vez que um preso é transferido ele passa pelo R.O (regime de observação) que geralmente dura 10 dias. Nesse tempo o preso fica sem visita na inclusão, é um período para ele se adaptar e ver se não tem problema na cadeia
( inimigos, facção rival, etc)
Para o familiar que fica aqui fora, são eternos 10 dias, muitas vezes sem notícias e sem saber o paradeiro do preso, conseguir uma informação correta numa penitenciária é quase uma missão impossível.
A pessoa que visita um parente no presídio sofre muito preconceito, as pessoas nos tratam como cúmplices, como se a família inteira fosse criminosa. Dificilmente encontramos alguém que nos trate compaixão e respeito.
Já fazia 15 dias sem ter notícias de Neguinho e sem saber seu paradeiro.
Eu estava mergulhada num mar de angustia e desespero, meus dias se resumiam a esperar uma ligação ou um recado.
Numa terça feira acordei e no meu telefone tinha uma mensagem
" amor, liga no número xx xxx"
Liguei em disparada.
- Oi meu amor, que saudade de vc!
- Oi minha vida, me diz onde vc está pelo amor de Deus!
- Me mandaram para Araraquara amor, agora as coisas vão ficar um pouco mais difíceis pra nós, é um pouco longe e vc vai precisar fazer uma carteirinha pra entrar.
- Me explica como, o que eu preciso fazer pra poder te ver
- Vou explicar tudo, mas primeiro me fala de vc e das crianças
- Estão bem, mas preciso te contar umas coisas que acontecerem, você tem tempo?
- Pra vc tenho todo tempo do mundo.
Comecei a contar desde a saída do presídio no dia da rebelião.
- Caralho Renata, essa Luciana deu mancada! Ela tinha que ter ficado até vc chegar, ela vacilou! Vou levar essa mina pras ideias!
- Calma Neguinho, não vou admitir que ninguém faça nada com minha amiga, eu também vacilei, devia ter te avisado que ia na visita
- Se vc tivesse avisado eu não teria deixado vc ir... Mas posso te confessar uma coisa?
- Pode ué
- Adorei aquela visita! Vc com ciúmes fica ainda mais linda e brisada você fica com um fogo kkkkk Quando vc vier vou até deixar uns comprimidinhos daqueles, perdidos por aqui kkkkkkkkkkkl
- Olha ANTONIO, eu proíbo vc de tocar nesse assunto entendeu?!
- Tá bom minha brisada, mas só vou parar porque vc tá ameaçando a me chamar desse jeito kkkkkkkkkkkl
Neguinho era assim, mesmo qdo estava triste ele tinha o dom de me alegrar, sempre tinha um elogio ou palavra de incentivo, nunca nem com meus erros, me colocou para baixo.
Ele me orientou sobre documentação, alimentação e vestimenta. Dessa vez era tudo diferente, eu teria que passar numa entrevista com a assistente social e enviar uma cópia de todos meus documentos e assim eu fiz
Liguei para guia do ônibus pra reservar uma passagem, fiquei de cara quando descobri que existiam ônibus que fazem excursões para as
Penitenciárias e por ironia, o meu saía da porta do Carandirú.
Me preparei para ver meu amor, o ônibus saia de São Paulo por volta da meia noite e chegava na Penitenciária por volta das cinco manhã onde era entregue uma senha. Quando o presidio abria as visitas formavam uma fila por ordem de senha, depois subiam uma ladeira enorme com as sacolas pesadas.
Levei de tudo, bolo, refrigerante, comida, roupa e produtos de higiene.
Passei por uma entrevista com a assistente do presidio, senti um pouco de medo e menti dizendo que já estava com ele desde a rua.
- Nome, idade, endereço, profissão, quanto tempo vc esta com o preso?
Respondi tudo de bate pronto e ela liberou minha entrada.
Passei pela revista e segui pelos corredores cheio de grades.
No início senti bastante a diferença entre a penitenciária e a detenção, lá não podia nada, tinha restrição para comida, roupa, não podia entrar com brinco, anel, pulseira, aliança e nenhum objeto metálico, também não podia levar dinheiro e era obrigatório o uso de chinelos.
Segui no corredor até o meu raio( divisões dentro da penitenciária iguais aos pavilhões, só que menores)
Como em toda cadeia uma porta so se abre qdo a outra estiver fechada.
Lembro que qdo ouvi aquela grade bater nas minhas costas senti um desespero. Parei em frente a gaiola ( parece uma gaiola mesmo, um espaço entre o corredor e a entrada do pavilhão).
Quando abriu aquela porta eu vi o meu amor, joguei a sacola no chão e corri para seus braços, foram inevitáveis as lágrimas de saudade, tanto as dele como as minhas
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Visita Intima
RomanceEssa história aconteceu realmente e por mais que alguns detalhes possam parecer improváveis, acreditem, foi real. Aconteceu no ano de 2001, um ano antes da completa desativação do complexo carcerário do Carandiru em São Paulo, jamais eu poderia imag...