Capítulo 30

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Toda vez que um preso é transferido ele passa pelo R.O (regime de observação) que geralmente dura 10 dias. Nesse tempo o preso fica sem visita na inclusão, é um período para ele se adaptar e ver se não tem problema na cadeia
( inimigos, facção rival, etc)
Para o familiar que fica aqui fora, são eternos 10 dias, muitas vezes sem notícias e sem saber o paradeiro do preso, conseguir uma informação correta numa penitenciária é quase uma missão impossível.
A pessoa que visita um parente no presídio sofre muito preconceito, as pessoas nos tratam como cúmplices, como se a família inteira fosse criminosa. Dificilmente encontramos alguém que nos trate compaixão e respeito.
Já fazia 15 dias sem ter notícias de Neguinho e sem saber seu paradeiro.
Eu estava mergulhada num mar de angustia e desespero, meus dias se resumiam a esperar uma ligação ou um recado.
Numa terça feira acordei e no meu telefone tinha uma mensagem
" amor, liga no número xx xxx"
Liguei em disparada.
- Oi meu amor, que saudade de vc!
- Oi minha vida, me diz onde vc está pelo amor de Deus!
- Me mandaram para Araraquara amor, agora as coisas vão ficar um pouco mais difíceis pra nós, é um pouco longe e vc vai precisar fazer uma carteirinha pra entrar.
- Me explica como, o que eu preciso fazer pra poder te ver
- Vou explicar tudo, mas primeiro me fala de vc e das crianças
- Estão bem, mas preciso te contar umas coisas que acontecerem, você tem tempo?
- Pra vc tenho todo tempo do mundo.
Comecei a contar desde a saída do presídio no dia da rebelião.
- Caralho Renata, essa Luciana deu mancada! Ela tinha que ter ficado até vc chegar, ela vacilou! Vou levar essa mina pras ideias!
- Calma Neguinho, não vou admitir que ninguém faça nada com minha amiga, eu também vacilei, devia ter te avisado que ia na visita
- Se vc tivesse avisado eu não teria deixado vc ir... Mas posso te confessar uma coisa?
- Pode ué
- Adorei aquela visita! Vc com ciúmes fica ainda mais linda e brisada você fica com um fogo kkkkk Quando vc vier vou até deixar uns comprimidinhos daqueles, perdidos por aqui kkkkkkkkkkkl
- Olha ANTONIO, eu proíbo vc de tocar nesse assunto entendeu?!
- Tá bom minha brisada, mas só vou parar porque vc tá ameaçando a me chamar desse jeito kkkkkkkkkkkl
Neguinho era assim, mesmo qdo estava triste ele tinha o dom de me alegrar, sempre tinha um elogio ou palavra de incentivo, nunca nem com meus erros, me colocou para baixo.
Ele me orientou sobre documentação, alimentação e vestimenta. Dessa vez era tudo diferente, eu teria que passar numa entrevista com a assistente social e enviar uma cópia de todos meus documentos e assim eu fiz
Liguei para guia do ônibus pra reservar uma passagem, fiquei de cara quando descobri que existiam ônibus que fazem excursões para as
Penitenciárias e por ironia, o meu saía da porta do Carandirú.
Me preparei para ver meu amor, o ônibus saia de São Paulo por volta da meia noite e chegava na Penitenciária por volta das cinco manhã onde era entregue uma senha. Quando o presidio abria as visitas formavam uma fila por ordem de senha, depois subiam uma ladeira enorme com as sacolas pesadas.
Levei de tudo, bolo, refrigerante, comida, roupa e produtos de higiene.
Passei por uma entrevista com a assistente do presidio, senti um pouco de medo e menti dizendo que já estava com ele desde a rua.
- Nome, idade, endereço, profissão, quanto tempo vc esta com o preso?
Respondi tudo de bate pronto e ela liberou minha entrada.
Passei pela revista e segui pelos corredores cheio de grades.
No início senti bastante a diferença entre a penitenciária e a detenção, lá não podia nada, tinha restrição para comida, roupa, não podia entrar com brinco, anel, pulseira, aliança e nenhum objeto metálico, também não podia levar dinheiro e era obrigatório o uso de chinelos.
Segui no corredor até o meu raio( divisões dentro da penitenciária iguais aos pavilhões, só que menores)
Como em toda cadeia uma porta so se abre qdo a outra estiver fechada.
Lembro que qdo ouvi aquela grade bater nas minhas costas senti um desespero. Parei em frente a gaiola ( parece uma gaiola mesmo, um espaço entre o corredor e a entrada do pavilhão).
Quando abriu aquela porta eu vi o meu amor, joguei a sacola no chão e corri para seus braços, foram inevitáveis as lágrimas de saudade, tanto as dele como as minhas

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