Capítulo 26

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Aquela semana foi tensa, os jornais noticiaram o assassinato de 6 presos no Carandirú, entre eles 3 eram do mesmo pavilhão que Neguinho.
Nos dias que passaram falei com ele por duas vezes e tudo bastante rápido.
- Tudo bem por aí Neguinho?
- Tudo bem Graças a Deus. Como é que estão as crianças?
- Com as minhas tudo bem, com os seus eu já não sei, vc mandou outra pessoa ir lá no meu lugar...
- Não mandei outra pessoa não, foi só o irmão levar as coisas lá. Chegou aí pra vc também?
- Eu mandei ele levar tudo de volta, não precisa mandar ninguém trazer nada aqui não, se não for pra eu fazer as coisas pra vc, também não vou aceitar ngm fazer pra mim.
- Presta atenção, pega as coisas das crianças com o irmão, se tiver precisando de mais alguma coisa vc pode pedir pra ele e anota o que vc pegar. Não tô podendo conversar pq eu tô numas responsas, mas vai até ele e fala que eu mandei ele te dar um dinheiro, anota tudo aí e depois me passa. Fica com Deus, tá bom?
- Responsa nada, pensa que eu não sei que vc já tá conversando com alguém? Seu telefone só dá ocupado, vc fica inventando desculpas, vc tá mentindo pra mim!
- Vc é loca Renata, só pode ser... Já falei tô em outra responsa, não tô conversando com mulher nenhuma não meu, não fode!
Comecei a gritar no telefone, ele apenas desligou.
Eu tava certa que tinha outra na parada, só podia ter... Ele não falava comigo por 5 minutos e ja queria desligar e assim que desligava já ficava ocupado, alguém estava querendo roubar o meu homem mas eu não ia deixar isso acontecer...
Estava decidida, domingo eu iria chegar na visita em grande estilo, fiz unha, depilação, cabelo, dessa vez eu acertei na roupa, decidi até cozinhar pra retribuir a gentileza da outra visita e "pegar o homem pelo estômago" KKK
Pedi ajuda pra Luciana, fomos ao mercado e compramos tudo, até um bolo de chocolate eu fiz.
Fui até a casa de Didi e pedi um dinheiro, ainda bem que ele não perguntou nada e assim não precisei inventar nenhuma desculpa.
Usei o dinheiro pra pegar um táxi, combinei o preço de uma corrida fechada, então saiu bem mais barato.
Me lembro exatamente como foi aquele dia, era 18 de fevereiro. Preparei toda comida, coloquei tudo em uma sacola branca e chamei o táxi. Segui pra casa de Detenção, deixei Luciana com as crianças e parte do dinheiro que Didi me deu, caso acontecesse alguma eventualidade.
Procurei ficar o mais bonita possível para aquela ocasião, meu perfume exalava, cabelo perfeito, caso ele estivesse com outra mulher lá dentro, eu não queria ficar por baixo.
Saí de casa num horário estratégico, assim se ele tivesse fazendo alguma coisa, certamente eu iria pegar no flagrante.
O táxi parou na porta era por volta de 9:30 e tudo estava calmo, não tinha tumulto, estranhei mas segui adiante. Paguei a corrida, avisei ao taxista que não precisava esperar, ele me ajudou a tirar a sacola e foi embora.
Quase não tinha fila, já fui direto no guichê, ao conferir meu nome o funcionário me olhou desconfiado:
- Bom dia! A senhora é mulher do preso?
- Sou sim.
- Tem certeza que você vai querer entrar hoje?
- Tenho.
Essa pergunta me deixou mais cismada. Passei pela revista da comida e fui pra revista íntima
- Bom dia!
- Bom dia!
- A senhora vai pra que pavilhão ?
- Pro sete.
- É seu marido que a senhora tá vindo visitar?
- É, ele mesmo.
Da outra vez não me fizeram perguntas, tava muito estranho tudo aquilo, eu tinha certeza que Neguinho tava com outra lá dentro.
Segui pela radial até chegar no pavilhão, entrei , coloquei a sacola no chão e comecei a procurar por ele, pelo Wlad, os outros caras que haviam falado comigo, algum rosto conhecido, não encontrei.
Não deu cinco minutos um preso se aproximou perguntando
quem eu tinha ido visitar.
- Qual é o nome do preso, senhora?
- É o Neguinho do segundo andar
- O Neguinho?
- Sabe onde ele está?
O preso passou pra outro e eles começaram a gritar:
- Salveee Neguinhoo! Salveee!
Olhei a minha volta, o pavilhão tinha menos visitas que da outra vez, olhei pra frente e vi ele vindo em minha direção com a roupa da cadeia:
- Que vc tá fazendo aqui?!
- Vim te ver, ué, não posso?
- Cê tá loca? Porque vc não me avisou que vinha?
- Se vc atendesse o telefone eu teria avisado, mas vc não atende. Sem contar que vc mesmo disse que qdo eu quisesse te vir, eu seria bem vinda, então eu vim pra gente conversar.
- Não preparei nenhuma cela pra vc, a gente vai ter que ficar no quéto
- O que é quéto?
- Onde os caras tiram íntima na mesma cela, todo mundo separado por um lençol.
- Vc tá de palhaçada com minha cara? Acha que eu vou ficar presa numa cama com gente em cima de mim?
- Renata não cria problema, vc não me avisou que viria..
- E aquela cela? Vc tá com outra aí dentro? É por isso que vc se afastou de mim? Quer que eu va embora? É só falar que eu vou
- Já que vc veio, agora vc fica! Vem vamos entrar.
Ele me levou numa cela do próprio segundo andar, muito diferente da primeira vez, eram beliches de concreto onde eles penduravam lençóis como cortinas e cada preso transava com sua mulher ali, quietinho sem fazer barulho ( por isso o nome), os rádios eram ligados, com músicas altas, na tentativa de abafar qqr gemido, ele me emprestou um chinelo e a gente desceu pro pátio
- Senta aí com a irmã do parceiro.
Me largou lá e foi andar .
Fiquei indignada com a atitude dele, agora eu estava certa que ele tinha outra, eu havia planejado outra tarde de amor, mas nenhum beijo ele me deu. De longe vi a hora que ele se aproximou da portaria, logo imaginei que ele estava indo se despedir de alguém, levantei imediatamente e fui atrás, qdo de repente ele e outro preso se aproximam do funcionário e ele tira uma faca que parecia uma espada, da parte de trás do uniforme e colocando no pescoço do homem, fazendo o funcionário refém. Foi tudo muito rápido, cheguei a dar um grito de susto, não entendi o que estava acontecendo. Ali estourava a Mega-Rebelião.
Todos os pavilhões se rebelaram ao mesmo tempo e depois outros presídios de São Paulo, a ordem estava dada:
" Nenhuma visita saí do pavilhao"!"

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