Sol e Marina mesmo estudando no mesmo colégio se distanciavam a cada dia. Os últimos acontecimentos criaram um abismo de silêncio entre as amigas. Marina era filha única muito mimada pelos pais, tornou-se problemática e de baixa autoestima. Reclamava de tudo, do cabelo que não passava dos ombros, sempre liso e escorrido, do rosto redondo, da pele muito branca herdada da mãe. Comia o tempo todo e reclamava de estar acima do peso. Enquanto Sol era dona de curvas perfeitas, extrovertida e alegre, dominava todos os assuntos. A amizade que antes era tão interessante, já não tinha conexão, as conversas da amiga era sempre chororô por causa de meninos e Sol não conhecia esta realidade, pois não demonstrava interesse por nenhum menino da sua idade. No entanto, vez ou outra que a amiga chegava em casa Sol estava à sua espera e a conversa animada com o pai a deixava enciumada.
— Sol! Não foi pra escola novamente, pensei que estivesse doente. O que faz aqui na minha casa? — disse Marina jogando a mochila e desbando no sofá.
— Estava esperando por você. — respondeu Sol.
— Meu pai não disse que eu estava na escola? Era só voltar depois.
— Tudo bem, Mariana, vejo que chegou chateada. Vou indo então. — disse Sol abrindo a porta de saída.
— Coisa de adolescente! Nem ligue Sol, Marina não está pra amizade hoje. — disse o pai de Marina, atravessando a sala e saindo para o trabalho. — Tchau meu bebê ciumento, vê se cresce! — ele acrescentou irritando Marina.
— Ahhh! Ele sabe que odeio quando me chama de bebê!
O pai de Marina irritava muito a filha com brincadeiras dizendo que ela estava com ciúmes ou inveja, porque Sol era uma menina diferente e não dava importância aos galanteios dos meninos. Todas as vezes que os três estavam juntos era o mesmo tom de conversa.
Um dia, na mesa de jantar o pai de Marina começou a provoca-la dizendo que ela tinha inveja de Sol, por isso as duas brigavam tanto, de repente Marina se rebelou e teve uma crise de ciúmes e diante de seus pais e de Sol, ela gritou chorando:
— Sim, é isso! Eu tenho inveja da Sol. Ela consegue ignorar todos os meninos, ela falta na escola sempre e a mãe não se importa, nem fala nada, porque ela sempre está trabalhando e ganhando seu próprio dinheiro, apesar de ter a mesma idade minha, enquanto eu estou aqui, sofrendo com notas ruins na escola, só pensando neste maldito ensino médio, vendo os meninos rirem de mim e dependendo das migalhas que o papai me dá! — dizendo isso correu para o quarto trancando a porta.
A cena a seguir foi um silêncio perturbador, Sol se levantou, pediu licença e foi para a casa. Os pais de Marina se olharam por alguns segundos, mas ninguém ousou acrescentar uma palavra sequer.
Depois, daquele dia, Sol procurou se afastar da casa de Marina. Elas se encontravam na escola, nas raras vezes que Sol aparecia ou precisava fazer um trabalho de recuperação de notas, fora isso elas mal se cumprimentavam. Ninguém tinha dúvidas que aquela amizade estava com os dias contados.
Um dia, Sol chegou da escola e encontrou a amiga desesperada no portão, neste dia Marina tinha faltado à aula. Chorava compulsivamente dizendo que precisava dela porque sua vida estava de cabeça para baixo, e que Sol era sua única amiga. Sol perguntou o que estava acontecendo, mesmo morrendo de medo de que ela tivesse descoberto sobre seus encontros com seu pai e o que fazia quando faltava as aulas. Marina pulou em seu pescoço pedindo ajuda, nisso ela percebeu que não devia ser nada com ela, senão provavelmente, a reação da amiga seria outra. Sol arriscou-se entrando na casa da amiga e logo que chegou percebeu um clima péssimo, a mãe chorava desesperada na sala, Marina correu e sentou-se ao lado dela e a abraçou. Nisso o pai saiu do quarto com uma mala na mão, parou na porta e olhou as três no sofá, Sol perguntou para a amiga em voz baixa:
— O que houve, o que está acontecendo? — No entanto, a amiga só chorava e não conseguia dizer nada, somente depois de algum tempo ela conseguiu arrancar as palavras da garganta:
— Meu pai Sol, está indo embora de casa, eu não posso acreditar! Ele tinha outra mulher e nós nunca imaginávamos uma coisa assim. Eu não acredito que ele está fazendo isso com a gente.
O pai de Marina não teve coragem de se aproximar da filha, já que ela estava entre a mulher e Sol, apenas disse:
— Depois falo com você, minha filha, no momento que estiver mais calma. — Dizendo isso saiu carregando a mala e foi embora.
Finalmente Marina conseguiu soltar as palavras:
— Sol minha mãe descobriu que meu pai, já faz tempo que não trabalha pela manhã. Ela seguiu ele várias vezes e viu entrando num motel acompanhado, ela tentou de todas as formas descobrir quem era a amante dele, mas não conseguiu. Então não suportou a dúvida, e hoje, perguntou pra ele, jogou tudo na cara dele, ele até confessou a traição, mas não revelou quem era a mulher.
Sol olhou para a mãe da amiga e disse:
— Será que não tem jeito? Não há possibilidade de perdão?
— Você não sabe nada da vida menina! Eu até poderia perdoar, mas teria que aceitar o fantasma desta mulher entre nós, pelo resto de nossas vidas. Se pelo menos soubesse quem era, poderia pensar a possibilidade de perdoar, poderia pelo menos compreender o porquê de ter me trocado por outra.
Sol sentiu um calafrio penetrando seu corpo, naquele momento, depois desabafou para a amiga dizendo:
— Todo homem é igual e nenhum vale nada amiga, você vê as pessoas e não imagina o que fazem pelas suas costas.
Naquele momento, acredito que Sol falava dela mesma ao ver a dor da amiga, imaginando que aquela dor ainda poderia ser muito maior se soubesse o resto da verdade.
Para Sol, uma moça no segundo ano do ensino Médio, não poderia tomar a responsabilidade dos atos de outras pessoas, e se o pai da amiga lhe proporcionava uma boa vida em troca de momentos íntimos, não seria ela a culpada, pois foi ele que começou tudo isso, ela apenas aceitou porque precisava de dinheiro e se divertia com ele. Jamais se sentiria responsável por aquela traição, pois quem tinha obrigações com a mulher e a filha era ele, então a traição era dele e não dela, já que se não fosse com ela seria com outra, pois ele vivia procurando aventuras.
Sol sempre pensava que fazer alguém feliz não era nenhum mal e que receber por isso era apenas uma recompensa a mais. No entanto, Sol ficou fantasiando que a qualquer momento ele voltaria para busca-la e fazer dela sua mulher. Porém, com o passar dos dias ela percebeu que fora usada como um objeto qualquer, daqueles que você compra, usa e depois descarta sem nenhuma culpa, sem nenhuma dívida.
Depois daquele dia, Sol e a amiga voltaram a se aproximar, parecia mesmo uma ironia, o mesmo homem que as afastara as unira novamente.
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Os Fantasmas Da Sol (Completa)
RomanceCada fase da vida pode gerar seus próprios fantasmas. Assim, Sol se encontra à beira de uma rodovia, desesperada e sem destino, até que uma carona muda o rumo de sua vida. Tiago um caminhoneiro solitário, oferece carona e um destino. Porém, ele é c...