Capítulo III

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O pai de Marina foi embora para a capital e logo foi se distanciando da filha. As ligações cada vez mais frias e distantes foram cicatrizando as feridas, e a indiferença foi tomando o lugar da dor e do ódio. A mãe de Marina, nunca se conformou com a traição, ou talvez, com a parte da verdade que desconhecia, isso a perturbava de tal forma que lhe roubava a saúde e a vontade de viver. Às vezes, Sol chegava na casa da amiga e pegava sua mãe aos prantos, o olhar dela era tão acusador que muitas vezes, Sol duvidou se realmente ela desconhecia a verdade. Ela se tornou uma mulher fria e deprimida, incapaz de reconstruir sua vida, tratava a filha com desinteresse e apatia, e isso fez Marina e Sol se reaproximarem.

Agora Sol precisava encontrar um trabalho de verdade ou outra pessoa que a sustentasse, no entanto, aquela sensação de ser usada, aquele olhar acusador e a tristeza da amiga, deixavam ela muito mal consigo mesma. Por isso, Sol decidiu que não queria passar por aquilo novamente, desse modo, saiu à procura de emprego e resolveu se dedicar ao último ano do colegial, ou seja, queria ter uma vida normal de adolescente. Com o retorno da antiga amizade, retornou também uma parte da vida de Sol que ela havia deixado de lado, a paixão por garotos de sua idade, as festinhas nos finais de semana e até aquelas reuniões para fazer trabalhos de escola. Sol procurava sempre se encaixar nestes ambientes, apesar de inúmeras vezes achar sem graça e infantil, mas procurava qualquer motivo para alegrar a amiga e tirar daquele ambiente triste de sua casa, no fundo o fantasma da culpa a perturbava e, ela vivia querendo compensar a amiga. E foi numa dessas reuniões que Sol quase pôs tudo a perder.

Os amigos se reuniram para fazer um trabalho da escola na casa de Marina, além das duas estava Roger um menino magro e alto, dos olhos castanhos e cabelo loiro escuros, muito liso no corte social e uma franja na altura dos olhos que ele escondia com um boné ou penteava para trás com gel. No seu rosto fino de adolescente alguns fios ralos de barba começavam a despontar, demonstrando os hormônios à flor da pele, isso cativava o olhar de Sol, no entanto, era Marina quem estava cada dia mais interessada pela amizade de Roger. O outro menino não desgrudava os olhos de Marina. Luiz era baixo um pouco acima do peso, muito dedicado aos estudos, sempre salvava a nota de matemática para os quatro amigos.

Na sala da casa de Marina sentaram-se no chão em volta de uma mesa de centro, espalharam os livros pelo chão da sala e encima do sofá, dessa forma começaram a tarde de estudos.

Em determinado momento a amiga sugeriu uma bebida, Sol se dispôs a fazer e perguntou:

— Alguém se dispõe a me ajudar?

E Roger se prontificou:

— Deixa comigo! Eu ajudo, bora lá! — dizendo isso, levantou-se num salto e saíram animados para a cozinha.

Enquanto Sol preparavam uma limonada, Roger abria todos os armários, de repente ele disse animado:

— Olha só o que encontrei! Vamos melhorar esta limonada?

— Vodka! Vamos, mas não vá dizer pra Marina. — recomendou Sol.

Nisso Marina gritou lá da sala:

— Não vai me contar o quê? Eu já sei encontraram bebida, não é? Pois é velha, minha mãe nem sabe que tem isso aí.

— Que ótimo, então não vai saber que bebemos. — disse Roger, despejando a vodka na limonada.

Para adolescentes que ainda não tinham experimentado o álcool aquilo era uma aventura. Logo depois do segundo copo o trabalho de matemática fora abandonado, guardaram os cadernos e com uma caneta sobre a mesa começaram a brincadeira "Verdade, Consequência ou Desafio".

Na primeira rodada a caneta parou com a tampa para o gordinho e a ponta para Marina, então Luiz perguntou:

— Você já teve um namorado de verdade?

E todos começaram a gritar juntos:

— Verdade, consequência ou desafio?

Ela respondeu prontamente:

— Verdade!

Marina hesitou, porém não teve saída, já que não poderia iniciar fraudando o jogo, e disse:

— Verdade, nunca namorei sério.

Um silêncio seguiu por um instante e depois todos riram e Marina disse satisfeita:

— Haha! Agora é minha vez de girar a caneta!

Girando em seguida a caneta, que parou exatamente entre Sol e ela, que comemorou muito o resultado e foram logo gritando:

— Você gosta de homens mais velhos?

— Verdade, consequência ou desafio?

Sol respondeu assim como a amiga:

— Verdade!

E Marina perguntou:

— Verdade que gosta?

Sol rindo respondeu:

— Verdade! Sim eu gosto de homens e não de moleques.

— Oh, ainda bem que não sou mais um moleque, já tenho até barba, alguns fios, mas já é alguma coisa! — disse Roger exibindo o queixo para Sol.

Esta brincadeira seguiu até quase à tarde, com perguntas normais entre adolescentes, porém Marina parecia mais interessada em desvendar a vida de Sol, do que se divertir. Numa conversa paralela ela insistia que Sol contasse sobre quem era o homem mais velho que ela já havia gostado, até que Sol alterada pelo álcool, não resistiu e disse:

— Era seu pai! Não sabia?

A amiga tomou um choque e paralisou. Sol se desmoronou em gargalhadas, dizendo:

— Sua tonta, é brincadeira!

A amiga revidou empurrando-a para o chão, e disse:

— Sua louca, que brincadeira de mal gosto, isso não se faz!

Todos riram, e logo em seguida, a brincadeira continuou.

Em determinado momento surgiu a consequência que Roger tanto queria, Luiz deu como consequência à Sol beijar Roger, e Marina interferiu:

— Você não precisa fazer isso amiga!

Mas, Sol respondeu:

— Tudo bem, afinal brincadeira é brincadeira!

Ela percebeu que a amiga não gostou, no entanto ela não perderia a oportunidade de mostrar o quanto era bem resolvida quanto a sentimentalismos de adolescência. Logo se atirou sobre Roger com um beijo provocante, ele recostou a cabeça sobre o assento do sofá correspondeu com carícias maliciosas, deixando os colegas muito sem graça. Como todos já estavam meio embriagados Marina levantou-se imediatamente, chamando Luiz para buscar mais bebidas e disse:

— Aproveitem aí, vamos pegar mais bebida. Os dois foram para a cozinha enquanto Roger e Sol viajavam num beijo ardente, que ia muito além da brincadeira de adolescente. De repente Marina entrou correndo e gritando:

— Gente, gente, minha mãe, minha mãe, ela está chegando! Corre esconder tudo isso. Rápido, rápido!

Foi uma correria geral na tentativa de esconder a bebida e colocar os cadernos no lugar dos copos, Sol e Roger ajeitavam as roupas disfarçando a indecência do momento, felizmente o portão trancado atrasou a mãe da amiga que quando entrou, mal cumprimentou os adolescentes e foi direto para o quarto, reclamando de enxaqueca. Eles riram e foram se despedindo como quem se despede de um dia bem vivido. Sol saiu e ao se despedir da amiga pensava:

"Exagerei na brincadeira, quase que deixei a verdade escapar, ainda bem que a verdade é muito absurda para minha inocente amiga".

No entanto, a amiga também pensava:

"Quem é essa minha amiga, quanto de verdade ela conta e quanto ela esconde? Bem que eu gostaria de ter feito o que ela fez com Roger..."

Deste dia em diante, surgiu entre as duas o fantasma da desconfiança, a amizade nunca mais seria a mesma entre elas. Sol seguiu pensando, será que exagerei na adolescência tardia? Será que tudo isso é normal para adolescentes? Essa coisa de ser o que não é parece muito complicada, preciso tomar cuidado para não me revelar desta forma.

Os Fantasmas Da Sol    (Completa)Onde histórias criam vida. Descubra agora