O Caçador

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Ailuj limpava sua espada enfiando-a na grama enquanto os corpos dos oficiais do rei jaziam no chão destroçados, os olhos da menina aos poucos voltavam de um forte e escuro violeta para a cor natural, as mãos e as vestes sujas de sangue denunciavam o que havia acontecido ali e ao redor dela as pessoas da cidade Myscrov aplaudiam e gritavam em júbilo. Ela já havia perdido as contas de quantos guardas já tinham ido atrás dela e tampouco sabia o número de quantos matou, estava viajando de cidade em cidade, aldeia por aldeia liberando as pessoas dos impostos e injustiças da vara*do rei, aparentemente àqueles que faziam parte da guarda e dos outros serviços prestados ao castelo tinham benefícios, esses os quais muitas das vezes lhes davam o poder de abusar e usurpar dos menos favorecidos de riquezas.

A garota estava sentada em uma pedra, levantou seu olhar e viu todos àqueles rostos felizes dando louvores a ela e sentiu nojo, voltou seu olhar para o objeto em mãos e continuou a limpar enquanto na sua mente divagava a seguinte pergunta: como poderiam sentir-se tão felizes com um massacre? Talvez soasse irônico ouvir isso dela, mas na verdade não era, pois era sua missão julgá-los e talvez, se preciso ou se assim ela desejasse, matá-los, porém... Era certo gostarem de tanto banho de sangue? Ailuj entendia que se havia sido convocada das profundezas do inferno para condenar o mundo, certamente ele fizera por merecer e isso significava que o próprio ser humano não tinha humanidade, então porque ela deveria ter?

A expressão em seu rosto era neutra, embora para muitos "A Justiceira" aparentasse ser uma pessoa fria e impiedosa, ainda sim, todos que sabiam de seus feitos ou tinham o prazer de vê-la pessoalmente tinham-na como heroína. Outra pessoa talvez adorasse tal atenção, mas ela não. Ailuj só queria terminar logo com àquilo, o rei certamente estava sem paciência para com ela, depois de tantos ataques e brincadeiras de mau gosto enviando seus homens enfeitiçados de volta para o castelo causando-lhe problemas ele com certeza já desejava a sua cabeça, embora não tivesse a intenção de fazer com que a odiasse, foi necessário no momento distraí-lo para que pudesse continuar ajudando aldeias e tornando sua presença nos lugares famosa, agora mais que a metade do reino a conhecia como sinônimo de justiça e era amada por eles. Para alguns a afeição do rei talvez valesse mais, porém para ela a opinião e devoção do povo era o que mais importava, seriam seus súditos em breve e em um futuro não tão longe, seus soldados, precisava da confiança deles, enquanto o povo a amasse, o rei não poderia fazer nada para matá-la.

-Arrume as coisas Notyelc, partiremos amanhã! – disse ela enquanto se levantava e saia. Notyelc que estava logo ao seu lado mexendo nas frutinhas silvestres ao lado deles a olhou com a boca suja por conta da falta de modos em comer. Assentiu mesmo sabendo que ela não veria tal ato, olhou para as frutas e depois para Ailuj ao longe caminhando provavelmente em direção ao lugar onde estavam hospedados, pensou se deveria segui-la imediatamente ou se não faria mal pegar mais algumas daquelas saborosas frutas para a viagem, acabou decidindo por si só que elas eram mais importantes no momento.

No dia seguinte pela manhã Ailuj acordou e olhou ao seu redor, suas coisas ainda estavam espalhadas pelo cômodo, revirou os olhos percebendo que Notyelc não havia feito o que ela pediu e se levantou para procurá-lo, não o encontrou por ali, com preguiça de sair e procurar pela cidade achou melhor convocá-lo com um feitiço, mas não obteve respostas, então fez um feitiço localizador e foi guiada por uma névoa escura.

Ela o avistou de longe sentado no mesmo lugar onde o havia deixado, ele estava de olhos fechados, porém entidades não dormem, percebendo que algo estava errado colocou a mão em seu rosto para sentir sua energia, estava fraca, olhou para uma das mãos dele e viu dezenas de frutas silvestres ali, incrédula Ailuj pôs uma das mãos em seu rosto procurando no intimo de seu ser a paciência que não tinha.

-Pelo poder das trevas, onde errei para tê-lo como meu protetor Pai? – ela uniu as duas mãos recitando as palavras "purificati postea castra intrabitis", ao redor de suas mãos surgiu uma luz azul, ela tocou no rosto dele com ambas as mãos, logo os olhos dele se abriram e todo o corpo dele se debateu em choque, ao tirar as mãos Ailuj ficou de pé e cruzou os braços na frente dele.

-Por mil demônios Princesa! Era mesmo necessário o choque? – Notyelc se levantou cambaleando para os lados e colocou uma de suas mãos ossudas na testa.

-Para te curar não, mas por mérito sim! Você é uma entidade, como conseguiu chegar nesse estado comendo frutas? Passou a noite toda se empanturrando? – ela percebeu que Notyelc havia desviado o olhar entregando-se. – Pela escuridão que habita em mim Notyelc se eu pudesse matá-lo e escolher outro protetor eu juro que o faria! Vamos logo, temos que estar em Brytam antes do pôr do sol!

Ambos caminhavam em silêncio, Notyelc não proferira uma palavra depois do ocorrido e Ailuj estranhara aquilo, porém também permanecia quieta.

Pouco antes do pôr do sol chegaram a Brytam, logo os oficiais ali a reconheceram e pararam em frente a ela, impedindo que prosseguissem, alguns estavam com medo, ela pôde sentir o cheiro do pavor e deu um leve sorriso de canto satisfeito, ela desceu de seu cavalo e cumprimentou a guarda de Vossa Majestade.

-Algum problema cavalheiros? – perguntou ela, sarcástica.

-A se - senhorita deve nos acompanhar, o rei solicita sua presença! – ela riu do nervosismo do rapaz.

-Diga a Vossa Majestade que eu o encontrarei quando for à hora! Agora... Me dêem licença! – Ailuj caminhou entre os oficiais que imediatamente abriram o caminho para que ela passasse, nenhum deles ousou impedi-la, até que uma voz ao fundo a fez parar.

-"A Justiceira" – Ailuj olhou para trás encarando os grandes olhos azuis do rapaz. Ele era alto, cabelos escuros e barba por fazer, queixo pontudo e sua estrutura corpórea era grande, a confiança e o jeito destemido eram denunciados em sua forma de falar. – Finalmente posso ver com meus próprios olhos a mulher tão temida pelo exercito do rei! – ela o mediu de cima a baixo. – Confesso que esperava um pouco mais! – disse ele parando um pouco mais de dois passos em frente a ela.

-Quem é você? – perguntou ela semicerrando os olhos para ele.

-Me chamo Rannard Field e fui contratado por Vossa Majestade para levá-la até Sua presença! – Ailuj riu.

-Eu não vou acompanhá-lo, mas nada lhe impede de tentar! – com um movimento rápido ela levou as duas mãos para trás e de suas vestes retirou dois grandes facões de prata. Rannard bufou, parecia não gostar do rumo que as coisas estavam levando.

-Sou um caçador senhorita, não costumo lutar com mulheres, mas sempre entrego minhas mercadorias aos meus clientes! – Rannard sacou a espada da bainha e preparou-se para lutar com Ailuj, havia ouvido rumores sobre ela e nenhum deles dava-lhe uma má reputação como espadachim, porém jamais recuaria de uma luta, muito menos com uma mulher.

Vara*
Trazer juízo e/ou justiça.
Símbolo usado para corrigir alguém e/ou castigar.

*Notas da Autora*
Esse ficou bem grandinho gente, pensei em dividir em duas partes, maaas acho que 1.244 palavras não faz mal nenhum não é mesmo? Hahaha 💖

Filha das SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora