Capítulo 2 - Transferência

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O céu continuava vaidoso, ostentando seu sol dourado dentre as poucas nuvens daquela imensidão azul. O vento do inverno soprava dentre as ruelas, perturbava as janelas das casas e irritava as cortinas da região.

A brisa resmungava nos labirintos daquele bairro simplório e insistia em correr, apressada, até fazer curva em um pequeno beco entre duas casas capeadas. O local era o acesso para uma muito humilde casa de alvenaria bruta, no fim da rua despercebida.

A residência tinha paredes e muros que disputavam espaço entre tijolos úmidos, embolso escuro e baixas alamandas. Um lar que um dia conhecera a magia profunda, mas atualmente só contava com fagulhas pomposas. Ali vivia uma família que há um tempo não sabia o significado da palavra "mãe": Os Barbosa.

Contudo, nem todos os meninos haviam chegado naquela tarde. O pai e o filho mais velho estavam bem próximos, retornando de uma pequena aventura. O homem de cabelo crespo parecia um tanto cansado com sua tentativa inepta de empurrar um carrinho de carga na estrada de terra.

O transporte estava encoberto por um pano que servia para evitar que os vizinhos vissem suas compras, que poderiam soar no mínimo estranhas. O bairro sem-feitiço podia não estar preparado para ver livros falantes e penas de auto repetição.

A ideia parva não podia ser pior, pois causara o efeito completamente contrária ao que o pai e o filho que pretendiam. As quatro rodas, além de difíceis de empurrar no chão sem pavimentação, eram extremamente barulhentas. O rangido ecoava por toda a vizinhança, levando as fofoqueiras às janelas e despertando a curiosidade dos transeuntes que cruzavam seu caminho.

Mesmo com toda a situação, o Sr. Barbosa levava tudo com leveza. O homem alto, bem moreno, olhudo e com um grande bigode cumprimentava todos que lhes olhavam torto, ao invés de ignorá-los.

Uma senhora, verruguenta e vesga, na sacada de sua varanda foi ousada o suficiente para questionar o que havia acontecido: - Que monte de tralha faz Marcos Barbosa, pai e filho, trabalharem em conjunto numa missão ridícula como esta?

Marcos filho, ao contrário de seu pai, não dispunha de tanto bom humor. Ele preferia estar sempre um passo a frente de tudo e todos, se considerando o mais sábio de sua família. O menino de pele morena e ossudo ajeitou a touca que usava a todo momento e vociferou. – Talvez o mesmo que seu marido fez para tentar se livrar de você.

A mulher urrou nervosa e, sem palavras, virou-se voltando para o interior de sua casa. Lá dentro eles puderam ouvi-la soltar a linha em palavrões e promessas de vingança.

O pai, por sua vez, já havia desistido de tentar mudá-lo. Afinal, apesar de ter um ótimo coração, Marcos filho sempre (sempre mesmo) julgava estar certo. Contudo, os conselhos sempre vinham, independentemente de sua reação.

- Ela só estava curiosa. – Ele disse calmamente. E, com um leve sorriso, completou: - Não precisa descontar na Dona Barata a raiva que sentindo do "coisinha" que te desafiou no arco. Isso é só um pedaço de pau com uns truques.

O Sr. Barbosa dizia essas coisas por ser um sem-feitiço. O jovem Marcos, além de ser mestiço, era classificado como: caramujo. Um termo dos bruxos brasileiros para crianças que demoram a despertar suas aptidões mágicas.

O mundo mágico foi ocultado de seu próprio núcleo familiar. A mãe de Marcos filho só se revelou uma bruxa há quatro anos, em seu leito de morte. Onde contou para sua família seu maior segredo e fez um pedido imaculado para seu marido.

Antes de morrer, a mulher já sabia que somente seu filho mais velho teria seus poderes despertados. E, por isso, seu pai deveria guiá-lo até que fosse convocado para Castelobruxo. Curiosamente, no dia seguinte, sobre o túmulo da mãe, Marcos conjurou uma rosa vermelha com suas lágrimas. Intrigante.

A Tríade - Volume IOnde histórias criam vida. Descubra agora