Capítulo I - O Arco do Carvalho

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Dentre uma cadeia com muitas montanhas, repletas de muitas árvores, preenchidas com muitos galhos, recheados de muitas flores, atufado de muitas pétalas, apinhadas de muitos polens, um pequeno vestígio de magia transitava como uma borboleta em busca de néctar.

Os passos entre os largos e altos caules lenhosos eram rápidos. Uma corrida imantada por gargalhadas e zombarias. Atrás dessas pernadas haviam pequenos bateres de asas bem rápidos e incessantes. Estes, por sua vez, eram seguidos de tentativas de rugidos e salpicadas de brasas ardentes.

O garoto que corria na dianteira adotou uma nova estratégia para deixar de ser perseguido e se tornar o perseguidor. Ocultando-se por de trás de um tronco, ele observou o dragonete de carapaça espinhenta pairar no ar, fungando a sua procura. E antes que o pequeno dragão o encontrasse, lhe deu um grande susto.

A brincadeira foi paga com muitas mordiscadas. A criatura de escamas negras caçava dentre os cachos largos, a ponta da orelha para beliscar. E nesta batalha de titãs, os dois rolaram chão afora.

- Para, zé! – O menino de lábios desenhados exclamou com uma bocada mais doída.

Ofegantes e saciados de diversão, os dois tiraram um segundo para respirar calmamente. O jovem menino observou, então, o sol ultrapassar a copa das árvores em sua direção tornando seus olhos castanhos quase fluorescentes.

A paz lhes tomou por um bom momento, onde as árvores dançavam com o vento e as folhas cintilavam em sua leve melodia. Mas a canção foi quebrada com um grito agudo e alto, que além de romper os tímpanos dos dois amigos, causou um medo avassalador.

- Mãe! – Ele levantou em um estalo e olhou amedrontado para seu dragonete. – Devemos estar atrasados!

Atravessando aquelas altas árvores, se encontrava um grande e paradisíaco vale. As montanhas altas ao redor, mesmo que enfeitadas pelos pequenos pássaros Dedo Duro, perdiam em beleza e magia para a área baixa. Nela, um grande lago agia quase como espelho d'água envolto de grandes pastos e uma casa singular em sua margem.

Em meio aquela dezena de quilômetros, somente uma família residia no local. A eles pertenciam a casinha de madeira bem mais alta que larga, repleta de cômodos anexados e escadas externas para acessá-los. Os telhados de diversas cores, os remendos, portas e janelas de diferentes formatos e tipos não refletiam a realidade financeira da família, mas sim o amor pelo simples vindo das veias camponesas do senhorio.

A família Lerback, ao qual a residência pertencia, gozava de um sangue genuinamente mágico. Apesar de não terem preconceito, a maior parte dos membros desta complexa árvore de bruxos sempre se orgulharam do tal fato.

O isolamento não foi bem uma escolha para eles. Essa medida foi adotada por diversos motivos. Uma delas era o fato de cuidarem de uma criatura mágica bem complexa, outra era o sangue dos Lerbacks virem de uma ramificação muito nobre, que era constantemente má interpretada pelo mundo bruxo naquela época.

Outro motivo, mas não menos importante, era o fato de os filhos terem grandes aptidões mágicas. Embora a mais velha se controlasse, o mais novo costumava fazer as roupas estiradas dos vizinhos saírem voando. Certa vez, uma calcinha até berrou a sua dona e quase foram presos por quebrar o estatuto internacional de magia.

Olhando entre os vidros impecavelmente limpos da porta da cozinha, a Sra. Luci Lerback mirava seu caçula correndo desesperadamente com seu fiel amigo de badernagem agarrado em seu ombro. Seus olhos tão negros quantos suas madeixas cheias se apertaram ao perceber que o menino vinha da floresta. Uma curiosidade, ela era uma bruxa muito talentosa com feitiços relacionados a afazeres domésticos.

- É... Guilherme... – Ela murmurou para si, assim que ele abriu a porta ofegante. – Na floresta outra vez! A hora que aquele Saci Pererê te pegar, você vai ver.

A Tríade - Volume IOnde histórias criam vida. Descubra agora