—Então o trabalho final desse período é compor uma música e apresentá-la em uma audição para toda uma bancada? — perguntei ao orientador do trabalho.
—Sim, Carmo. Eu dei a sugestão na sala de você ajudar o Carlos Eduardo, já que na faculdade de onde ele vem não tem esse trabalho final. Mas se você não tiver em condições de fazer, eu vou entender e vou levar isso para a reitoria. — disse ele, colocando a mão em meu ombro e Cadu nos observava em silêncio.
—Não, Harold. — disse. — Quero fazer esse trabalho. A música é a única coisa que vai me salvar de um buraco.
—Então, tudo bem. Espero que vocês tenham um ótimo trabalho. — ele disse e saiu, deixando-nos sozinhos no pátio da faculdade.
—Tudo bem fazer o trabalho comigo? — ele perguntou, chegando próximo a mim.
—Tudo sim. — disse, me sentando em um banco e ele se sentou junto comigo. — O que podemos fazer nesse trabalho?
—Não faço ideia. Eu nunca compus uma música.
—Tudo bem. Eu nunca compus uma música também, mas acho que temos que compor agora, não é mesmo. — disse e ele riu. — Você toca quais instrumentos?
—Violão, violino, piano, violoncelo e alguns outros. — disse ele.
—Uau! — disse. — Eu gostaria de saber tocar violoncelo.
Conversamos por um bom tempo ali no pátio, até dar a hora de eu ir embora. Estava indo até o estacionamento pegar o meu carro e ir embora.
—Você quer uma carona? Moro perto do seu serviço. — perguntei a Cadu.
—Obrigado, cara, mas eu prefiro ir com meu skate. — disse ele. — Nada contra você e seu carro, mas é que eu gosto de ir pensando.
—Entendo. Então até amanhã.
—Até amanhã.
Entrei no carro e fui para casa. Foi bom Cadu não ter aceitado a minha carona, pois gostaria de pensar um pouco nesse trabalho final. Ele iria ocupar a minha mente. Nada substituiria Vicente, mas não ter sua morte como principal e único pensamento em minha mente seria bom. Resolvi ligar o rádio, mas esqueci que naquele horário passava o mesmo jornal em todas as emissoras de rádio do país.
—O assaltante do ônibus que caiu do viaduto no centro de Henlouis, resultando na morte de 8 pessoas, continua internado em coma no hospital da cidade de Boltas. A identidade do assaltante ainda é desconhecida.
Comecei a chorar e desliguei o rádio na mesma hora. Estacionei o carro e comecei a socar o volante do mesmo. Eu estava puto. O meu marido estava morto graças à aquele filho da puta e ele estava vivo. Eu chorei por uns 15 minutos estacionado até decidir seguir meu caminho. Passei direto de minha casa e fui parar na casa dos pais de Vicente. Eu não deveria me afastar deles, já que eles estavam sentindo a mesma dor que eu ou até mesmo mais, já que eram pais. Toquei a campainha e esperei que alguém me atendesse.
—Carmo. — disse Valentina, pulando em meu colo. Para 7 anos aquela menina estava muito grandinha.
—E aí, Tina? Cadê seus pais?
—Meu pai ainda não chegou para almoçar e minha mãe está cozinhando. Entra. — disse ela, me puxando. — Olha quem chegou, mamãe.
—Oi, Ruth. — disse, mas pude ver que ela não ficou muito feliz com a minha presença ali. Ela se virou para o fogão e nem respondeu ao meu cumprimento.
—Vem, Carmo. Quero te mostrar meus desenhos. — disse Valentina, me puxando para o seu quarto.
Entrei naquele quarto e vi a quantidade de folhas de papel espalhadas pelo quarto, todas desenhadas. Eu me posicionei no chão, peguei uma folha e fiquei observando aquele desenho. Era um casal de pais e um casal de filhos, com uma estrela enorme sobre eles.
—Que lindo esse desenho, Valentina. — disse e ela veio correndo até mim.
—São meus pais, eu e você. — disse ela, apontando para os bonequinhos.
—Achei que era o seu irmão. — disse, segurando a lágrima que insistia em querer descer pelo meu rosto.
—Meu irmão aqui. — disse ela, apontando para a estrela. Eu não consegui conter o meu choro e ele saiu de modo barulhento. Valentina fechou a porta e me abraçou. — Não chora, Carmo. Meu pai disse que agora o Vicente é uma estrela e que ele vai sempre brilhar para nos proteger.
Eu não conseguia parar de chorar. Valentina estava sendo muito mais forte que eu, mas ela era somente uma criança e não tinha consciência da dor que a transformação de Vicente em uma estrela estava causando. Beto abriu a porta e viu que eu estava ali e chorando, então se aproximou de nós e se juntou comigo no chãoan. Ele estava vestido com o seu macacão de serviço e com o rosto molhado, pois devia ter lavado ele para tirar o suor.
—Filha, deixa o papai conversar com o Carmo, por favor. — ele disse e Valentina saiu do quarto. — Tenta não ficar assim na frente dela.
—Foi mais forte que eu. — disse, entregando o papel desenhado para Beto. Ele deixou uma lágrima cair e se levantou. — Ouvi na radio que o assaltante do ônibus está vivo.
—Tomara que morra. Ou que continue em coma para sempre. — disse ele, mostrando que havia escutado a notícia também.
—Bom! Eu já vou. Eu não deveria ter vindo. — disse, me levantando e passando por ele, que segurou o meu braço.
—Carmo, você é da minha família. Você tem o meu sobrenome. Você é o marido do meu filho. — disse ele, olhando nos meus olhos. — Não tenta se afastar da gente no momento em que mais precisamos nos unir.
—Tudo bem, Beto. — disse, abaixando a minha cabeça. Ele passou a mão pela minha cabeça nua e sorriu.
—Vamos almoçar. Vem. — disse ele, me levando para a cozinha. Ruth estava terminando de colocar a mesa, quase quebrando os pratos e copos. — Está tudo bem, Ruth?
—Meu filho morreu. Não está tudo bem. — disse ela, lançando um olhar furioso para mim, que me deixou desconfortável. Eu senti uma vontade enorme de abaixar a cabeça e chorar.
—RUTH. — gritou Beto, mas ela não se abalou.
—O que? Quer que eu finja que o meu genro não tem a menor parcela de culpa pelo meu filho ter morrido?
—Ruth... — Beto tentou, mas foi interrompido.
—Ele não teve a mesma sorte de você, não é, Carmo? De ter nascido de uma mãe rica e que te banca. Paga faculdade, paga a sua parte das despesas na casa. Enquanto meu filho tinha que ir trabalhar, pegar plantão de mais de 12 hrs, para poder arcar com o seu custo de vida. — ela disse e eu comecei a chorar sem chorar.
—Ruth.
—A CULPA É SUA, SIM. — ela gritou e apontou o dedo na minha cara.
—CALA A SUA MALDITA BOCA, RUTH. — gritou Beto, puxando a toalha da mesa e jogando tudo que estava sobre ela no chão. — EU NÃO VOU PERMITIR QUE VOCÊ DIGA ISSO SOBRE O CARMO MAIS.
Mais uma vez eu saí daquela casa em disparada. Eu passei por Valentina, que estava sentada na porta, tapando os ouvidos, para não escutar a discussão. Eu entrei no meu carro e sai em alta velocidade dali, chorando.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Luz Dos Olhos Teus [Romance Gay]
RomanceVicente e Carmo são dois jovens apaixonados de 19 anos que acabaram se casar. Com o apoio da família, os dois desde cedo viveram esse amor de forma intensa. Vivendo em um país com uma cultura totalmente diferente de todas as outras do mundo em relaç...