Pior noite

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Mas também foi a noite mais triste da minha vida. 
Como era sexta a noite, eu cheguei de madrugada em casa, como sempre. Sempre estive namorando, com os amigos ou ambos nos finais de semana. 
Meu celular tocou assim que sentei na cama. A foto da Laura sorrindo com seu jeito meigo apareceu no visor. Me preocupei um pouco. 
_ Laura. Você está bem?
_ Eu só queria me despedir _ disse chorando.
_ Pra onde você está indo? _ assim que completei a frase, notei que isso parecia papo de doido. Pra onde ela iria as três da manhã? 
_ Dany, você é a única pessoa que me faz lamentar não fazer mais parte deste mundo.
_ Aonde você está? _ olhei a sua localização pelo celular, não era longe _ Não faz nenhuma besteira. Laura,  eu preciso de você. 
Do outro lado, ela só  soluçava. Corri de volta para o carro e de carro para o lugar que vi no mapa, ainda ouvindo o seu choro. Entrei na boate e procurei os banheiros. 
_ Você não precisa de mim. Eu que preciso de você, Dany. Eu sempre precisei de você,  mas você nunca precisou de mim. 
_ Eu preciso,  Laura. Você é a pessoa para quem eu olho quando tudo está desmoronando,  porquê você está sempre sorrindo. O seu sorriso faz eu pensar que está tudo bem, e daí tudo passa. O mundo volta o seu eicho.
Cheguei ao banheiro feminino ouvindo os seus soluços e entrei. Ela estava sentada sobre a tampa da privada de uma cabine totalmente grogue e havia tentado cortar os pulsos, mas só feriu um deles e superficialmente. Me olhou sorrindo ao mesmo tempo que chorava ainda mais. 
Peguei a ruiva nos braços e a levei para o carro. Houve um episódio com o segurança,  antes de atravessar a saida da boate, mas ele abriu a porta para mim ao ver o corte no braço da Laura, mole em meus braços.
Cheguei no hospital parando próximo a  entrada da emergência que eu já conhecia bem. Não  era a primeira vez que eu corria com alguém até ali, mas queria que fosse a última.
_ EMERGÊNCIA _ repeti até um casal de branco vir até  mim indicando uma maca onde eu a coloquei.
_ O que ela tem?
_ Ela se auto medicou com algo e _ apontei o corte no braço.
_ Lavagem estomacal, agora _ disse o enfermeiro levando a maca para dentro de uma porta e eu fui dar o número de telefone da casa dela,  para que ligassem para os seus pais. Eles precisavam vir assinar os papeis de internação. 
Fiquei pelo tempo de uma eternidade esperando notícias. Depois teve os pais acusando ela de querer chamar a atenção, mas logo foram embora. Não falei nada. Nem foi surpresa essa atitude deles. Os meus pais reagiriam igual. 
Eles assinaram uma autorização para que eu pudesse vê-la como se eu fosse da família e me agradeceram por socorre-la. 
_ Liga pra gente se algo mudar _ disse o Artur abraçando a Lia e saindo com a esposa em seguida. 
Amanhecia quando a enfermeira me disse que a Laura estava fora de perigo e queria me ver. Me parabenizou por trazê-la a tempo e toda a baboseira de você é um herói.  Não respondi. Apenas entrei no quarto e abracei a figura pálida deitada sobre a cama afundando a minha cara na curva do seu pescoço.
_ Que bom que você está bem.
_ O meu herói _ acariciou a minha nuca.
Fizemos um longo silêncio dentro deste abraço.  Foi quando estranhei que a olhei nos olhos, mas a ruiva estava calma me fitando com grandes olhos verdes.
_ O que foi isso, heim? 
_ Foi só... eu queria que isso parasse.
_ O que deveria parar? _ acaricei o seu rosto.
_ A falta de sentido, de sentir... este abismo infinito, bem debaixo do meu próximo passo. E eu não posso recuar.
_ Está com medo?
_ Sim.
_ Sabe o que eu faço diante do abismo da incerteza? 
_ O que? _ disse surpresa por eu entender.
_ Me jogo. É isso. O que você sempre quis fazer, mas nunca teve coragem? _ ela pensou em algo _ Faça _ falei com efeito.
Senti a mão da Laura deslizar pelo meu maxilar durante o nosso olhar um para o outro e ela me beijou apaixonadamente. 
Correspondi por carinho, embora estivesse muito confuso com isso. 
A Laura era o meu melhor amigo com o sexo trocado. Ela sempre me compreendia, me aceitava, me acolhia e me defendia quando eu precisava. Era perfeita diante dos meus olhos e qualquer um que dissesse o contrário teria que falar isso longe de mim, pois eu não me segurava. Mas nunca, jamais pensei em beijar os seus lábios ou em tocar a sua carne com desejo. 
Não que ela não me atraisse. Laura era muito mais atraente que a Clara. Era só que, para mim, pensar em toca-la era como pensar em tocar um homem. Que ironia!
Talvez por isso a correspondi, afinal. Não por carinho, mas porquê ela era tão perfeita, que eu me sentia tão bem naquele beijo, quanto me sentia nos beijos do Ariel. 
Correspondi sim. Até fiquei ofegante de desejo ao fim do beijo, querendo mais. Vendo os seus olhos carinhosos sobre os meus e o seu sorriso meio tímido.
_ Eu te amo, Dany _ disse ainda sorrindo e fechou os olhos adormecendo. 
A enfermeira entrou no quarto e disse que eu deveria deixar a ruiva descansar. 
Saí do quarto  coçando a cabeça nervosamente. Como eu poderia lidar com mais isso agora?
 Ter o coração da Laura em minhas mãos era... 
O que fazer quando a sua melhor amiga suicida lhe declara amor?

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