Capítulo I

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ROBERTA PARDO

O espelho refletia o próprio demônio em forma de gente.

Não que minha autoestima fosse tão baixa assim, mas naquele dia ela estava mais rasa que o chão. Meus cabelos ruivos pareciam uma mistura de ninho de pássaro com o resultado das bombas nucleares lançadas em Hiroshima, tinha até espuma de almofadas dentre os fios de cabelo, me deixando ainda mais... Como podemos dizer? Repugnante. As bolsas de olheiras eram profundas e maiores do que meu próprio rosto, a maquiagem da noite passada se encontrava em uma confusão de cores escuras em meu rosto — tinha um cílio postiço colado na minha bochecha. Sem mencionar o fato de eu ter vestido o pijama ao contrário, céus, tinha uma pata de urso na minha perseguida.

Bufei baixo.

Esse era um dos principais motivos pra meu péssimo humor matinal recorrente. Um outro era dar de cara com Mia Colucci no trajeto do banheiro e ter que aguentar sua cara enojada ao me ver, afinal, a dita cuja acordava como uma verdadeira princesa. Os cabelos loiros sequer se moviam durante a noite inteira e de manhã cedo já estavam perfeitamente alinhados, sem olheiras, olhos inchados ou qualquer porcaria que a fizesse ser menos bonita.

Era uma filha da mãe sortuda.

Lupita, ao contrário de nós duas era a mais ativa do quarto. De manhã logo cedo, antes mesmo de acordamos, Lupita saía pra praticar esportes do ginásio. A mesma alegava que a fazia se sentir mais disposta durante o dia — coisa que não rolou comigo quando eu decidir acompanhá-la, o máximo que eu ganhei correndo ao redor de uma quadra foi uma distensão no joelho e uma dor de cabeça por não ter dormido mais. Ela voltava suada, corada e revigorada, um exemplo de mulher que eu nunca mais seguiria se quisesse ter um humor menos medonho pela manhã.

Fiz todas minhas necessidades matinais em uma vagareza extrema, quando olhei no relógio novamente ainda eram 6h35min. Ao sair do banheiro já vestida com o uniforme e com os cabelos devidamente limpos, um furacão loiro me atropelou, avançou pela porta e a fechou em um estrondo.

— Quer me levar pra dentro do banheiro também, Barbie? — Gritei virando somente o rosto em direção ao banheiro.

— Eu vou me atrasar por sua causa! Olha a hora! Pelo amor de Deus, Roberta, que bagunça é essa?! — Ela resmungava com raiva do outro lado da porta.

Ouvia os tilintar dos perfumes sendo reorganizados, as maquiagens colocadas em seus devidos lugares e mesmo não escutando, já imaginava que estava dobrando meu pijama. Era uma perfeccionista. Todos os dias era a mesma coisa, reclamação pela bagunça, reclamação pelo horário e quando estava pronta ainda sequer era 7hs.

— Como eu pude aguentar essa criatura por todo esse tempo? — Resmunguei pra Lupita, que, estava sentada na poltrona do canto batendo os dedos no ritmo de alguma música.

Ela me encarou, eu a encarei de volta. Ela ergueu a sobrancelhas e eu fiz o mesmo, finalmente ela tirou um dos fones de ouvidos.

— O quê disse?

— Que Mia Colucci é insuportável — Grunhi.

— Eu ouvi isso, sua mal amada! — A voz de dentro do banheiro veio abafada pelo chuveiro ligado. Me perguntei como diabos ela tinha escutado.

— Ninguém falou com você ô Barbie falsificada — Berrei de volta.

— Mas estavam falando de mim, ninguém fala pelas minhas costas, Roberta Pardo. Isso é falta de respeito!

— Caguei pro respeito que te devo...

— Vocês precisam parar com isso — Lupita interrompeu em um tom ameno de voz, enquanto a desmiolada clamava pros sete céus o quanto era injustiçada na vida e o quanto era difícil ser ela — As energias desse quarto são muito negativas, você sabia que as energias do cômodo em que dormimos são...

InevitávelWhere stories live. Discover now