Capítulo 1 - Visitante

76.6K 2.2K 416
                                    

Já era tarde e uma fina chuva caía do lado de fora da casa. Todos dormiam tranquilamente e o silêncio era a melhor companhia naquele momento.

Não era novidade que esperar me deixava ansiosa e isso sempre me impedia de dormir. Por alguns instantes invejei o sono calmo de Clarissa, que babava sobre o travesseiro enquanto sonhava.

Normalmente naquele horário eu saía para caçar, mas especialmente naquela noite havia sido incumbida de cuidar de minha irmã mais nova enquanto os demais caçadores de reuniam.

Havia algum tempo que uma agitação tomava conta das linhagens de caça, porém aquela era a primeira vez que uma atitude era tomada em relação aos rumores.

Claro que cuidar de Clarissa era apenas uma desculpa para não me convidarem para a reunião, os caçadores não costumavam incluir os aprendizes em decisões importantes.

Faltava pouco para que eu recebesse a honra de ser titulada como caçadora de demônios, era uma nomeação que vinha após muito treinamento, geralmente no aniversário de 18 anos.

Mesmo sem saber exatamente o motivo da reunião, percebia que o número de demônios nos últimos tempos havia aumentado nitidamente. Clarissa acreditava que Lúcifer estava tramando algo e eu partilhava da mesma opinião.

Ainda estava perdida em pensamentos quando ouvi fortes batidas na porta. Por um minuto meu coração congelou, peguei meu arco e coloquei a aljava de flechas nas costas, descendo vagarosamente a escada de madeira.

Por mais silenciosa que eu fosse, a madeira velha rangia e o ruído parecia ensurdecedor. Aproximei-me da porta:

- Quem é? - gritei em uma voz firme.

- Bruno. Está chovendo, você pode abrir logo?

Mantive o arco apontado em direção a entrada da casa enquanto destrancava as diversas fechaduras que haviam sido colocadas.

Bruno abriu a porta e entrou rapidamente, encharcando o tapete da sala:

- O que você faz aqui?

- A reunião se transformou em um debate nada civilizado sobre técnicas brutais de assassinato e eu preferi vir quebrar as regras.

Uma corrente elétrica subiu por meu corpo:

- Você quer saber sobre o que conversamos?

Não consegui esconder a decepção por ser das regras de sigilo das reuniões que Bruno falava.

Os caçadores partiam do princípio de manter a linhagem de sangue, o que geralmente resultava nos pais escolhendo os relacionamentos dos filhos em prol de algo maior. Bruno também era caçador, mas sua linhagem era chamada de beta, enquanto eu fazia parte dos alfas, nós jamais poderíamos sequer namorar.


Há muitos anos atrás os Arcanjos desceram à Terra para conhecer a criação de Deus. Rafael se compadeceu das doenças que assolavam o mundo mortal e passou a auxiliar os humanos no dom da cura. Miguel e Gabriel, por sua vez, tinham por objetivo encontrar e destruir qualquer rastro de mal que houvesse neste mundo.

Em sua jornada, os arcanjos conheceram duas irmãs que também partilhavam do mesmo objetivo, Samantha e May Signori, ambas perseguiam o rastro que os servos de Lúficer deixavam, a fim de encontrá-los e destruí-los.

Durante um longo tempo Miguel e Gabriel ensinaram as humanas algumas técnicas que poderiam ser usadas para se protegerem de demônios e isso construiu um laço forte entre eles. Cada dia mais a relação se intensificava, até que Samantha resolveu tomar a iniciativa e dizer a Miguel que estava apaixonada.

Os Arcanjos ainda não haviam se revelado para as humanas e elas se apaixonaram sem saber de sua real natureza, mas o sentimento entre Miguel e Samantha era tão real que mesmo após contar seu segredo, ela continuou o amando e eles decidiram se casar.

Pouco tempo depois Gabriel seguiu os passos do irmão e casou-se com May. Sem necessidade de manter segredos, os Arcanjos passaram a ensinar as irmãs Signori como destruir demônios e salvar almas dos Pactos realizados.

Miguel e Samantha tiveram três filhos: Samira, Percy e Cristina; Gabriel e May foram pais de dois meninos que chamaram por James e Igor. O que eles não sabiam é que um Anjo do céu, com inveja da felicidade que os Arcanjos encontraram, decidiu descer a Terra para encontrar uma companheira.

Ariel era apenas um soldado, mas desobedecendo as ordens divinas desceu ao mundo mortal e conheceu Hanna Delpolo, uma humana simples que vivia com os pais. Sem ter dimensão de suas atitudes, revelou a ela que era um Anjo e a pediu em casamento.

Hanna aceitou o pedido, mas em sua inocência e ignorância espalhou sobre a natureza angelical de Ariel. Os boatos chegaram aos ouvidos de Lúcifer, que encaminhou um pequeno exército para destruir o casal.

Felizmente as informações também chegaram aos Arcanjos, que conseguiram evitar que Ariel e seus dois filhos, Paige e Henry, fossem destruídos pelos exército. Hanna não partilhou da mesma sorte e sucumbiu nos braços do marido.

Sabendo que era arriscado permanecer na Terra, Gabriel e Miguel retornaram para junto de Deus - levando Ariel com eles. A fim de preservar a identidade da linhagem e segurança dos herdeiros, todos foram batizadas apenas com o sobrenome da mãe.

Samantha e May foram encarregadas de proteger a linhagem angelical, ensinando a eles como defender os humanos e destruir os demônios. Os filhos de Ariel e Hanna também foram criados pelas irmãs Signori, que continuaram a missão de proteger o mundo mortal.

As crianças cresceram juntas e distante do mundo externo, saíam a noite para a caça e evitavam se relacionar com humanos. Cristina e James casaram-se ao atingir a idade adulta e deram início a linhagem Alfa, que vinha dos filhos dos Arcanjos com as irmãs Signori. Paige e Igor também se casaram e seus descendentes foram chamados de Beta, por serem filhos de um Anjo desertor e um meio sangue.

A árvore genealógica dos caçadores é bem mais complexa que esta simples explicação, mas ela esclarece os motivos pelo qual Alfas e Betas não podem se relacionar. Em geral, os Signoris casam entre si e os Delpolo se relacionam com humanos.

Esse era o motivo pelo qual não poderia namorar com Bruno. Infelizmente, para a infelicidade de minha família, nós não seguíamos as regras com honestidade.

Corri o mais silenciosamente possível até meu quarto e peguei minha toalha para que ele se secasse. Antes que conseguisse concluir minha tarefa, Bruno já estava ao meu lado:

- Esqueça essa toalha.

Ele me beijou carinhosamente e me puxou pela mão até a sala de visitas que ficava ao final do corredor do segundo andar. Bruno me empurrou no sofá velho, coberto por uma manta verde e atirou as almofadas no chão.

A urgência em seu beijo fez com que eu perdesse a razão por alguns segundos, mas quando passei a mão e seus cabelos molhados voltei a realidade:

- Hoje não, eles podem voltar a qualquer momento. - afastei o corpo de Bruno e sorri tocando a ponta de seu nariz.

- Eu sei, na verdade preciso contar o que aconteceu, mas é difícil ter um momento a sós com você.

- Precisamos começar a pensar no que fazer com isso, meu aniversário está chegando e não sei se quero me casar com algum primo distante.

Meu estômago embrulhou com a possibilidade de realmente ter que me sujeitar a um casamento arranjado em prol de uma linhagem que não fazia a menor diferença depois de tantos anos. Os humanos que integravam ao clã Delpolo eram tão bons ou melhores que os caçadores que vinha da linhagem alfa.

Bruno fez uma careta e rapidamente mudou sua postura, endireitando o corpo no sofá:

- Você realmente precisa saber o que está acontecendo e não acho que seu futuro casamento seja um assunto prioritário no momento.

- Então simplesmente diga.

- O.k., mas prepare-se, não são boas notícias.

Imortal - As Sombras (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora