Capítulo 2 - Legião

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A fraca luz da vela acesa em cima da mesa oscilava na parede da sala de visitas, atribuindo a mesma um aspecto muito mais sombrio do que deveria. 

Bruno me encarava com seus olhos castanhos, deixando transparecer toda a preocupação de seus pensamentos: 

- Agatha, as coisas estão realmente complicadas.

- Tem algo a ver com o aumento contínuo de demônios no mundo mortal?

- Na verdade, acredito que essa seja uma das consequências.

- Clarissa acha que Lúcifer está planejando alguma coisa.

- Sua irmãzinha está errada. - ele abaixou os olhos e respirou profundamente. - Lúcifer já está colocando em prática o que planejou há muito tempo.

- E alguém sabe quais são esses planos?

- Os alfas estão investigando uma legião de demônios há algum tempo, mas conseguiram poucas informações.

- Então nós não sabemos nada? - olhei para Bruno frustrada. 

- Desconfiamos que O Anjo esteja enviando seu exército para o mundo mortal, mas não conseguimos imaginar porque.

- Apocalipse? - zombei.

- Isso não é uma brincadeira Agatha, nós sabemos que essas historinhas de criança não existem.

Meu rosto corou, a situação era mais séria do que imaginava. 

- Os caçadores não vão relatar nada aos aprendizes, não até terem certeza de algo, mas não acho justo você sair por aí arriscando sua vida sem ter dimensão que um exército de demônios pode te perseguir.

Um barulho na porta fez nossa conversa encerrar: 

- Preciso ir, passei tempo demais aqui. -  Bruno beijou meus lábios e sumiu pela janela. 

Fiquei olhando para o local onde minutos atrás estava meu não-namorado, digerindo a notícia sem entender exatamente o que fazer com ela. 

Ouvi o som da porta se abrindo, os passos pesados na escada denunciaram quem estava chegando: 

- Oi mãe.

- Ainda acordada Agatha? - ela olhou para a mesa. - Porque diabos tem uma vela acesa?

- Não consegui dormir, como foi a reunião?

- Um desastre, os betas são realmente uma classe inferior de difícil comunicação, transformaram a noite em um caos e não saímos do lugar.

- E sobre o que conversaram?

Por um momento a pouca cor que havia no rosto dela desapareceu. Kristen era uma mulher dura e de pouca emoção e o pequeno lapso de tensão que notei em seus olhos me deixou preocupada. 

- Podemos deixar essa conversa para amanhã, estou cansada...

- Tudo bem, só avise Clarissa que vocês estão bem, ela dormiu preocupada.

- Isso não aconteceria se não fosse sua insistência para que sua irmã tivesse uma vida normal. - ela me lançou um olhar assustador. - Clarissa estaria acostumada com nossa rotina.

- Mãe, eu também estava preocupada e certamente sou a melhor caçadora das sombras que vocês tem no momento.

Minha mãe franziu a testa: 

- Você é a melhor aprendiz que temos, sua nomeação está perto, mas ainda não aconteceu.

E dizendo isso ela virou-se em direção ao quarto onde Clarissa dormia. 

Sabia que ela não estava chateada de verdade, minha mãe era uma caçadora puramente racional e pensava de forma prática. Havia uma tensão que deixava o ar pesado e eu sentia que as coisas só tendiam a piorar. 

Acordei tarde no dia seguinte, a casa cheirava a almoço e comecei a me questionar que horas eram. Caminhei sonolenta até o banheiro e observei meu rosto sem muita empolgação. 

Eu era uma garota como outra qualquer. Com pouco mais que 1,65m, tinha um longos cabelos escuros, habitualmente presos em um rabo de cavalo para não me atrapalhar nos treinamentos. Meus olhos grandes e castanhos, costumavam ficar claros com a luminosidade e se destacavam em minha pele pálida. Era magra - muito magra - o que me permitia ser suficientemente rápida para correr.  

Prendi meu cabelo, escovei os dentes e desci ainda de pijama para a cozinha, onde minha mãe terminava de cozinhar qualquer coisa que cheirava muito bem. 

- Acordou de bom humor? - questionei apontando para o fogão.

- Mamãe disse que nosso almoço será especial porque tem uma novidade para contar. - Clarissa apareceu na porta da cozinha.

Olhei desconfiada para minha mãe, ela discretamente levou a mão a boca pedindo para que eu ficasse em silêncio.  

- Vá se vestir - Clarissa continuou seu discurso. - Se temos um almoço especial, você também deve se vestir de forma especial.

Meu coração palpitou, a inocência dos poucos doze anos de minha irmã me comovia, mas eu sabia esse almoço especial significaria alguma coisa. 

Clarissa me obrigou a usar um vestido branco decorado com algumas borboletas e fez uma trança desajeitada em meu cabelo, ela era péssima em suas tentativas de penteados, tinha mais vocação para moda. 

Ouvi a porta da sala se abrir e mamãe soltar um leve grito: 

- Fique aqui e não saia até que eu volte. - olhei para Clarissa de forma severa. 

Ela assentiu com a cabeça e se escondeu, peguei meu arco jogado embaixo da cama e desci as escadas rapidamente. Meu pai estava ajoelhado na sala, havia uma poça de sangue ao seu redor. Ele segurava um papel amassado entre os dedos e tentava falar alguma coisa enquanto minha mãe o abraçava. 

David era um homem forte, esculpido pelo treinamento intenso que seu sangue lhe obrigava a ter. Diziam que nos parecíamos muito em aparência, mas nosso gênio era conflitante, papai sempre estava agitado demais enquanto eu tentava sempre agia com cautela e paciência. 

Independente disso, ele era um homem difícil de se vencer, o que quer que tenha encontrado no caminho era algo realmente grande: 

- Uma legião me atacou. - ele olhou para minha mãe e depois para mim. - Eles virão atrás de todos nós, temos que tirar Clarissa daqui.

- Não! - gritei sem pensar.

- Agatha, não é por nossa vontade, ela não sabe se proteger.

Minha mãe soltou meu pai e caminhou até mim, colocando a mão em meu ombro: 

- Você insistiu para que deixássemos Clarissa ter uma vida minimamente normal, mas para isso ela precisar estar distante dos perigos que nos perseguem. - ela suspirou. - Sua irmã tem mais chances se estiver longe.

Comecei a pensar rapidamente em alguma alternativa, não aceitaria me afastar de Clarissa dessa forma e sabia que se ela fosse, jamais retornaria: 

- Não, eu vou treiná-la longe daqui, ainda não sou caçadora e tenho liberdade para deixar o posto. respondi. 

Meus pais se olharam e pude ver o consentimento de minha mãe no delicado aceno de cabeça que fez: 

- Você tem um mês, avise Clarissa que vocês partem amanhã.

Imortal - As Sombras (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora