Profundidades

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Poliana

Acordei na quinta-feira sentindo dois olhos cravados em mim me observando, e assim que comecei a despertar melhor, pude sentir alguém acariciar minha bochecha.

Abri os olhos devagar e vi o João deitado ao meu lado, sorrindo de orelha a orelha.

— bom dia, quase namoradinha.

— João... — eu dizia com a voz arrastada. — o que você faz aqui uma hora dessas?

— Marcelo me fez acordar mais cedo porque queria ver sua tia antes de trabalhar.

— e você resolveu subir aqui e ficar me olhando dormindo?

— se tornou uma das minhas coisas preferidas, te olhar.

— assim você me deixa sem graça.

— se acostuma, se a gente ficar junto pra sempre, é assim que você vai acordar todos os dias no futuro, comigo do seu lado, te olhando.

— caramba João... Que profundo.

— profundo é o tamanho da minha barriga, tô morrendo de fome, cadê o café da manhã dessa casa?

Soltei uma risada e ele se levantou da cama caminhando até a porta.

— NANCI! — ele gritou pelo corredor.

— ai menino, que susto! Não grita no meu ouvido assim! — a Nanci respondeu aparecendo na frente da porta.

— foi mal... O café já tá pronto?

— só pensa em comida você, né? Desde sempre.

—  e assim serei eternamente! — ele disse batendo no peito, como se estivesse orgulhoso.

— daqui a pouco eu chamo vocês.

Nanci foi pelo corredor afora e o João fechou a porta na mesma hora.

— você pode sair, por favor?

— quem? Eu? — ele perguntou confuso.

— é, você. Quero me trocar.

Ele sorriu maliciosamente e ia abrir a boca para soltar uma de suas gracinhas, mas não dei tempo para ele.

— nem começa, palhaço.

Ele soltou um suspiro e riu, e logo em seguida saiu do quarto como pedi.

Comecei a me trocar e a vestir o uniforme, e depois fui ao banheiro escovar os dentes.

João bateu na porta alguns minutos depois. Caminhei até ela e abri gentilmente para ele.

— foi aqui que pediram uma dose de beijinhos do João? — ele dizia com seu sorriso debochado.

— entra aí, trouxa.

Ele entrou e esperou eu fechar a porta.

Olhei para ele esperando que fizesse mais alguma graça, mas ele veio até mim e colocou as mãos em meu rosto, me puxando para um beijo.

Nosso beijo foi calmo, mas intenso. Depois de alguns segundos, ouvimos a Nanci nos chamar no corredor para o café, e ele parou de me beijar, se afastando e dando uma revirada nos olhos.

— só vou parar de te beijar e descer porque tô com muita fome mesmo...

— eu te entendo. — sorri para ele.

...

Enquanto caminhavamos o corredor até a escada, decidi sondar o João da maneira mais discreta possível, para saber o que ele poderia querer de aniversário.

— então... Dezesseis anos semana que vem, né? — eu disse tentando entrar nesse assunto.

— pelo jeito, sim. — ele deu de ombros, parecendo não se importar.

— não está animado?

— eu só vou ficar um ano mais velho, nada demais. Todos os anos isso acontece mesmo.

— mas é seu aniversário, João. Você tem que se animar!

— pra mim tanto faz, Poliana.

Não consegui continuar puxando mais papo sobre aquele assunto, o João não estava me dando liberdade.

Era como se ele nem quisesse fazer aniversário. Algo que era para ser alegre e trazer felicidade, estava parecendo um evento trágico e melancólico.

— mas se você quer tanto comemorar meu aniversário assim — me surpreendi ao ouvir ele continuar o assunto por conta própria — podemos fazer alguma coisa no dia.

— ah! Não quero te forçar a nada, João...

— ninguém me força a nada, Poliana. Eu disse isso porque eu quero.

— você quer?

— sim. Se for pra comemorar meu aniversário, que seja com você então.

Chegamos na sala e vimos o professor Marcelo e a tia Luiza conversando a sós na mesa, e nos entreolhamos na mesma hora.

— meu Deus, isso é muito bizarro. — ele se aproximou do meu ouvido e começou a cochichar.

— o que?

— se eles oficializarem o namoro logo, nós seremos praticamente primos!

Olhei para ele assustada, mas quando parei para analisar, tive que concordar.

— isso é verdade! Nossa, que estranho.

— vou estar apaixonado pela minha prima! Que nojo... — ele fez uma careta e não pude deixar de dar um soco no braço dele.

— ai! — ele disse rindo.

— venham logo pra mesa vocês dois! — tia Luiza nos chamou.

Depois que comemos, professor Marcelo me deu carona para a escola, e eu aproveitei o tempo ao lado do João deitada em seu ombro o caminho inteiro, enquanto estávamos de mãos dadas.

Eu precisava organizar meu encontro com o João para o seu aniversário, tinha que ser perfeito. O João merecia algo perfeito!

Mas para isso, eu precisava descobrir o motivo de ele não se importar em fazer aniversário. Ele nunca foi assim, e eu precisava fazer algo á respeito.









joliana vol. 2Onde histórias criam vida. Descubra agora