01 - Caça Fácil

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Eu odeio o fato de ser quem eu sou agora. Terminei a droga da minha faculdade de medicina, mas sequer estou com vontade de continuar com isso. Você deve saber, quando você se sente tão incrivelmente perdida e horrível, e você é como um nada, você é invisível em tudo, sem razão alguma. Algo que é pior do que ter uma razão. É o jeito que a minha cabeça funciona. É tipo alguém chegar para você e perguntar: "Lili, o que tem de errado?" e eu não saber, eu não ter em mente algo argumentado, porque bem no fundo, bem lá, ou na superfície, isso depende muito do meu cotidiano, eu sempre sou o problema. Eu sou o problema. E é algo que eu mesma quero. Eu mesma me machuco, eu mesma faço tudo de errado comigo e é inevitável isso.

É tao irritante se sentir assim o tempo todo, o tempo inteiro. É como se alguém ficasse me perguntando o porquê de eu sofrer tanto, que eu sou tão chata e triste. E eu sei, eu tenho que ser essa vadia triste o tempo todo. E tenho total noção do quanto é chato e irritante, mas eu não consigo me livrar disso.

Muitas pessoas já tentaram me ajudar e falar comigo, meus avós principalmente, mas não vai mudar nada. Nunca muda. A única pessoa que consegue mudar o jeito que eu me sinto sou eu mesma e tenho a total noção de que isso não vai acontecer. Eu não me sinto bem chegando para alguém e dizendo o que eu tenho guardado aqui dentro. Eu sinto que se eu falo é algo agitado, algo secreto demais que só eu posso saber e ter a chave para abrir.

Eu me sinto igual quando eu era mais jovem e eu gostava de um garoto ou quase isso, eu não dizia à ninguém sobre isso. Porque se eu dissesse à eles, então isso seria verdadeiro demais e algo provavelmente iria dar errado. É assim que tem sido sempre. Então é como se eu chegasse à alguém e dissesse: "Ei, eu realmente preciso de ajuda, eu não estou bem.". O que está acontecendo na minha cabeça não me fará fazer nada, mas me fará ser bem mais consciente disso e me fará querer me afundar em um poço de lava ainda mais.

O micro-ondas apita, mostrando que a minha pizza já está esquentada. Devorei ela em menos de cinco minutos. Realmente ter gasto cinco mil dólares em livros para a faculdade me deixou falida, a pizza velha foi a única coisa que me sobrou de comida nessa casa.

Encaro meu pescoço no espelho e odeio as marcas que Kj deixou nela, na verdade odeio tudo nele. Desde sua voz nojenta quando geme, até as mãos em meu corpo.

Ontem minha avó decidiu passar aqui para me visitar, mesmo ela morrendo de medo de meu namorado, não a culpo, ele é realmente um saco e de dar muito medo, mas nada do que eu não tenha me acostumado. Não me pergunte o porquê de eu ainda o aturar ou estar com ele, porque a resposta é sempre a mesma: medo. Não do que ele pode fazer comigo, e sim com meus avós. Ele sempre diz palavras que se eu o deixar, ele irá fazer coisas como acabar com a vida das pessoas que eu mais amo na terra.

Meus avós são as únicas pessoas na minha vida, pois meus pais biológicos sequer vi eles em toda a minha vida, mas sei que minha mãe era uma drogada e meu próprio pai a matou. Sim, meu pai, o cara que eu sequer conheci, matou a mulher que eu também nunca conheci. Fascinante.

Já estava de noite quando a porta do apartamento em que moro bateu. Era ele. Corri para o quarto sem ele me ver, na tentativa de fingir está dormindo e não ter que ouvir suas reclamações de bêbado, ou até pior.

Mesmo com meus olhos fechados, dava para senti que ele estava me encarando. Sua respiração estava ofegante e mesmo que ele sequer tenha dito algo ofensivo, minha raiva começa transparecer.

Os dedos de meu namorado passam por meu rosto. Acariciando de um jeito delicado que me faz pensar se ele mudou, mas quando sinto subir para cima de meu corpo vejo que nada e nem ninguém conseguiria mudar o homem nojento que há nele.

Abro meus olhos e o sorriso dele está bem em cima de mim. Seu cabelo bagunçado e roupas sujas, o cheiro do álcool me dá vontade de vomitar.

Ele cheira meu pescoço e eu continuo imóvel.

A PRISIONEIRA - sprousehartOnde histórias criam vida. Descubra agora