Capítulo 14: Elucidações de Clarêncio

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  Pulsava-me precipite o coração, fazendo-me lembrar o aprendiz bisonho, diante deexaminadores rigorosos. Vendo aquela mulher em lágrimas e ponderando a energia serenado Ministro do Auxílio, tremia dentro de mim mesmo, arrependido de haver provocadoaquela audiência. Não seria melhor calar, aprendendo a esperar deliberações superiores?Não seria presunção descabida pedir atribuições de médico naquela casa, onde permaneciacomo enfermo? A sinceridade de Clarêncio, para com a irmã que me antecedera,despertara-me raciocínios novos. Quis desistir, renunciar ao desejo da véspera e voltar aoaposento, mas, era impossível. O Ministro do Auxílio, como se adivinhasse meuspropósitos mais íntimos, exclamou em tom firme:- Pronto a ouvi-lo.Ia solicitar instintivamente qualquer serviço médico em "Nosso Lar", embora aindecisão que me dominava; entretanto, a consciência me advertia: Por que referir-se aserviço especializado? Não seria repetir os erros humanos, dentro dos quais a vaidade nãotolera outro gênero de atividade senão o correspondente aos preconceitos dos títulosnobiliárquicos, ou acadêmicos? Esta ideia equilibrava-me a tempo. Bastante confundido,falei:- Tomei a liberdade de vir até aqui, rogar seus bons ofícios para que me reintegreno trabalho. Ando saudoso dos meus misteres, agora que a generosidade do "Nosso Lar"me reconduziu à bênção da harmonia orgânica. Qualquer trabalho útil me interessa, desdeque me afaste da inação.Clarêncio fitou-me longamente, como a identificar-me as intenções mais íntimas.14Elucidações de Clarêncio- Já sei. Verbalmente pede qualquer gênero de tarefa; mas, no fundo, sente faltados seus clientes, do seu gabinete, da paisagem de serviço com que o Senhor honrou suapersonalidade na Terra.Até aí, as palavras dele eram jatos de conforto e esperança, que eu recebia nocoração, com gestos confirmativos.Depois de uma pausa mais longa, porém, o Ministro prosseguiu:- Convém notar, todavia, que às vezes o Pai nos honra com a Sua confiança e nósdesvirtuamos os verdadeiros títulos de serviço. Você foi médico na Terra, cercado detodas as facilidades, no capítulo dos estudos. Nunca soube o preço de um livro, porqueseus pais, generosos, lhe custeavam todas as despesas. Logo depois de graduado,começou a receber proventos compensadores, não teve sequer as dificuldades do médicopobre, compelido a mobilizar relações afetivas para fazer clínica. Prosperou tãorapidamente que transformou facilidades conquistadas em carreira para a morteprematura do corpo. Enquanto moço e sadio, cometeu numerosos abusos, dentro doquadro de trabalho a que Jesus o conduziu.Ante aquele olhar firme e bondoso ao mesmo tempo, estranha perturbaçãoapossara-se de mim.Respeitosamente, ponderei:- Reconheço a procedência das observações, mas, se possível, estimaria obtermeios de resgatar meus débitos, consagrando- me sinceramente aos enfermos desteparque hospitalar.- Impulso muito nobre - disse Clarêncio sem austeridade -, contudo, é precisoconvir que toda tarefa na Terra, no campo das profissões, é convite do Pai para que ohomem penetre os templos divinos do trabalho. O título, para nós, é simplesmente umaficha; mas, no mundo, costuma representar uma porta aberta a todos os disparates. Comessa ficha, o homem fica habilitado a aprender nobremente e a servir ao Senhor, noquadro de Seus divinos serviços no planeta. Tal princípio é aplicável a todas as atividadesterrestres, excluída a convenção dos setores nos quais se desdobrem. Meu irmão recebeuuma ficha de médico. Penetrou o templo da Medicina, mas sua ação, lá dentro, não severificou em normas que me autorizem a endossar seus atuais desejos. Comotransformá-lo, de um momento para outro, em médico de espíritos enfermos, quando fezquestão de circunscrever observações exclusivamente à esfera do corpo físico? Não negosua capacidade de excelente fisiologista, mas o campo da vida é muito extenso. Que mediz de um botânico que alinhasse definições apenas com o exame das cascas secas dealgumas árvores? Grande número de médicos, na Terra, prefere apenas a conclusãomatemática diante dos serviços de anatomia. Concordemos que a Matemática érespeitável, mas não é a única ciência do Universo. Como reconhece agora, o médico nãopode estacionar em diagnósticos e terminologias. Há que penetrar a alma, sondar-lhe asprofundezas. Muitos profissionais da Medicina, no planeta, são prisioneiros das salasacadêmicas, porque a vaidade lhes roubou a chave do cárcere. Raros conseguematravessar o pântano dos interesses inferiores, sobrepor-se a preconceitos comuns e, paraessas exceções, reservam-se as zombarias do mundo e o escárnio dos companheiros.Fiquei atônito. Não conhecia tais noções de responsabilidade profissional.Assombrava-me a interpretação do título acadêmico, reduzido à ficha de ingresso emzonas de trabalho para cooperação ativa com o Senhor Supremo. Incapaz de intervir,aguardei que o Ministro do Auxílio retomasse o fio das elucidações.- Conforme deduz - continuou ele -, não se preparou convenientemente para osnossos serviços aqui.- Generoso benfeitor - atrevi-me a dizer -, compreendo a lição e curvo-me àevidência.E, fazendo esforço por conter as lágrimas, pedi, humilde:- Submeto-me a qualquer trabalho, nesta colônia de realização e paz.Com um profundo olhar de simpatia, respondeu:- Meu amigo, não possuo apenas verdades amargas. Tenho igualmente a palavrade estímulo. Não pode ainda ser médico em "Nosso Lar", mas poderá assumir o cargo deaprendiz, oportunamente. Sua posição atual não é das melhores; entretanto, éconfortadora, pelas intercessões chegadas ao Ministério do Auxílio, a seu favor.- Minha mãe? - perguntei, inebriado de alegria.- Sim - esclareceu o Ministro -, sua mãe e outros amigos, no coração dos quaisvocê plantou a semente da simpatia. Logo após sua vinda, pedi ao Ministério doEsclarecimento providenciasse a obtenção de suas notas, que examinei atentamente.Muita imprevidência, numerosos abusos e muita irreflexão, mas, nos quinze anos de suaclínica, também proporcionou receituário gratuito a mais de seis mil necessitados. Namaioria das vezes, praticou esses atos meritórios, absolutamente por troça; mas,presentemente, pode verificar que, mesmo por troça, o verdadeiro bem espalha bênçãosem nossos caminhos. Desses beneficiados, quinze não o esqueceram e têm enviado, atéaqui, veementes apelos a seu favor. Devo esclarecer, no entanto, que mesmo o bem queproporcionou aos indiferentes surge aqui a seu favor.Concluindo, a sorrir, as elucidações surpreendentes, Clarêncio acentuou:- Aprenderá lições novas em "Nosso Lar" e, depois de experiências úteis,cooperará eficientemente conosco, preparando-se para o futuro infinito.Sentia-me radiante. Pela primeira vez, chorei de alegria na colônia. Oh! Quempoderá entender, na Terra, semelhante júbilo?Por vezes, é preciso se cale o coração no grandiloquente silêncio divino.  

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