Capítulo 17: Em Casa de Lísias

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  Não se passaram muitos dias, após a inesperada visita de minha mãe, quandoLísias me veio buscar, a chamado do Ministro Clarêncio. Segui-o, surpreso.Recebido amavelmente pelo magnânimo benfeitor, esperava- lhe as ordens comenorme prazer.- Meu amigo - disse, afável -, doravante está autorizado a fazer observações nosdiversos setores de nossos serviços, com exceção dos Ministérios de natureza superior.Henrique de Luna deu por terminado seu tratamento, na semana última, e é justo, agora,aproveite o tempo observando e aprendendo.Olhei para Lísias, como irmão que devia participar da minha felicidade indizível,naquele instante. O enfermeiro correspondeu- me ao olhar com intenso júbilo. Não cabiaem mim de contente. Era o início de vida nova. De alguma sorte, poderia trabalhar,ingressando em escolas diferentes. Clarêncio, que parecia perceber minha intraduzívelventura, acentuou:- Tornando-se dispensável sua permanência no parque hospitalar, examinareiatentamente a possibilidade de sua localização em ambiente novo. Consultarei alguma denossas instituições...Lísias, porém, cortou-lhe a palavra, exclamando:- Se possível, estimaria recebê-lo em nossa casa, enquanto perdurar o curso deobservações; lá, minha mãe o trataria como filho.Fitei o visitador num transporte de alegria. Clarêncio, por sua vez, também lhe17Em Casa de Lísiasendereçou um olhar de aprovação, murmurando:- Muito bem, Lísias! Jesus alegra-se conosco, sempre que recebemos um amigono coração.Abracei o prestativo enfermeiro, sem poder traduzir meu agradecimento. A alegriaàs vezes nos emudece.- Guarde este documento - disse-me o atencioso Ministro do Auxílio, entregandomepequena caderneta -, com ele, poderá ingressar nos Ministérios da Regeneração, doAuxílio, da Comunicação e do Esclarecimento, durante um ano. Decorrido esse tempo,veremos o que será possível fazer relativamente aos seus desejos. Instrua-se, meu caro.Não perca tempo. O interstício das experiências carnais deve ser bem aproveitado.Lísias deu-me o braço e saí, enlevado de prazer.Passados minutos, eis-nos à porta de graciosa construção, cercada de coloridojardim.- É aqui - exclamou o delicado companheiro.E, com expressão carinhosa, acrescentou:- O nosso lar, dentro de "Nosso Lar".Ao tinido brando da campainha no interior, surgiu à porta simpática matrona.- Mãe! Mãe!... - gritou o enfermeiro, apresentando-me alegremente - este é oirmão que prometi trazer-te.- Seja bem-vindo, amigo! - exclamou a senhora, nobremente.- Esta casa é sua.E abraçando-me:- Soube que sua mamãe não vive aqui. Nesse caso, terá em mim uma irmã, comfunções maternais.Não sabia como agradecer a generosa hospitalidade. Ia ensaiar algumas frases,para demonstrar minha comoção e reconhecimento, mas a nobre matrona, revelandosingular bom humor, adiantou-se, adivinhando-me os pensamentos:- Está proibido de falar em agradecimentos. Não o faça. O- brigar-me-ia alembrar, de repente, muitas frases convencionais da Terra...Rimo-nos todos e murmurei, comovido:- Que o Senhor traduza meu agradecimento a todos em renovadas bênçãos dealegria e paz.Entramos. Ambiente simples e acolhedor. Móveis quase idênticos aos terrestres;objetos em geral, demonstrando pequeninas variantes. Quadros de sublime significaçãoespiritual, um piano de notáveis proporções, descansando sobre ele grande harpa talhadaem linhas nobres e delicadas. Identificando-me a curiosidade, Lísias falou, prazenteiro:- Como vê, depois do sepulcro não encontrou ainda os anjos harpistas; mas aítemos uma harpa esperando por nós mesmos.- Oh! Lísias - atalhou a palavra materna, carinhosa -, não faças ironia. Não terecordas como o Ministério da União Divina recebeu o pessoal da Elevação, no anopassado, quando passaram por aqui alguns embaixadores da Harmonia?- Sim, mamãe; mas quero apenas dizer que os harpistas existem, e precisamoscriar audição espiritual, para ouvi-los, esforçando-nos, por nossa vez, no aprendizado dascoisas divinas.Em seguida aos conceitos obrigatórios de apresentação, com que relacionei minhaprocedência, vim a saber que a família de Lísias vivera em antiga cidade do Estado do Riode Janeiro; que sua mãe chamava-se Laura e que, em casa, tinha consigo duas irmãs,Iolanda e Judite.Respirava-se, ali, doce e reconfortante intimidade. Não conseguia disfarçar meucontentamento e enorme alegria. Aquele primeiro contato com a organização domésticana colônia, enlevava-me. A hospitalidade, cheia de ternura, arrancava-me ao espírito notasde profunda emoção.Em face do tiroteio de perguntas, Iolanda exibiu-me livros maravilhosos. Notandomeo interesse, a dona da casa advertiu:- Temos em "Nosso Lar", no que concerne à literatura, uma enorme vantagem; éque os escritores de má-fé, os que estimam o veneno psicológico, são conduzidosimediatamente para as zonas obscuras do Umbral. Por aqui não se equilibram, nemmesmo no Ministério da Regeneração, enquanto perseveram em semelhante estadod'alma.Não pude deixar de sorrir, continuando a observar os primores da arte fotográfica,nas páginas sob meus olhos.Em seguida, chamou-me Lísias para ver algumas dependências da casa,demorando-me na Sala de Banho, cujas instalações interessantes me maravilharam. Tudosimples, mas confortável.Não voltara a mim da admiração que me empolgava, quando a senhora Lauraconvidou à oração.Sentamo-nos, silenciosos, em torno de grande mesa.Ligado um grande aparelho, fez-se ouvir música suave. Era o louvor do momentocrepuscular. Surgiu, ao fundo, o mesmo quadro prodigioso da Governadoria, que eu nuncame cansava de contemplar todas as tardes, no parque hospitalar. Naquele momento,porém, sentia-me dominado de profunda e misteriosa alegria. E vendo o coração azuldesenhado ao longe, senti que minh'alma se ajoelhava no templo interior, em sublimestransportes de júbilo e reconhecimento  

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