Capítulo 43: Em Conversação

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  O Ministério da Regeneração continuou cheio de expressões festivas, não obstantese haver retirado o Governador ao seu círculo mais íntimo.Comentavam-se os acontecimentos. Centenas de companheiros se ofereciam paraos trabalhos árduos da defensiva, assim correspondendo ao apelo do grande chefeespiritual.Procurei Tobias, para consultá-lo sobre a possibilidade do meu aproveitamento,mas o generoso irmão sorriu da minha ingenuidade e falou:- André, você está começando agora uma tarefa nova. Não se precipite, solicitandoacréscimo de responsabilidade. Haverá serviço para todos, disse-nos, ainda agora, oGovernador. Não se esqueça de que as nossas Câmaras de Retificação constituem núcleosde esforço ativo, dia e noite. Não se aflija. Recorde que trinta mil servidores vão serconvocados para a vigilância permanente. Destarte, na retaguarda, serão muito grandes osclaros a preencher.Identificando-me o desapontamento, o bondoso companheiro, bem-humorado,acentuou depois de ligeira pausa:- Contente-se com a matrícula na escola contra o medo. Creia que isso lhe faráenorme bem.Nesse ínterim, recebi grande abraço de Lísias, que integrara, na festa, a deputaçãodo Ministério do Auxílio.Com a licença de Tobias, retirei-me em companhia de Lísias para gozar de43Em Conversaçãopalestra mais íntima.- Conhece você - indagou ele - o Ministro Benevenuto, aqui na Regeneração, omesmo que chegou anteontem da Polônia.- Não tenho esse prazer.- Vamos ao seu encontro - replicou Lísias, envolvendo-me nas vibrações do seuimenso carinho fraterno -, há muito que tenho a honra de incluí-lo no círculo das minhasrelações pessoais.Daí a momentos, estávamos no grande recinto verde, consagrado aos trabalhosdesse Ministro da Regeneração, que eu apenas conhecia de vista.Numerosos grupos de visitantes permutavam ideias sob a copa das grandesárvores. Lísias conduziu-me ao núcleo maior, onde Benevenuto trocava impressões comdiversos amigos, apresentando-me com generosas palavras. O Ministro acolheu-me,cortês, admitindo-me na sua roda com extrema bondade.A conversação continuou nos rumos naturais e notei que se discutia a situação daesfera terrestre.- Muito doloroso o quadro que vimos - comentava Benevenuto em tom grave -;habituados ao serviço da paz na América, nenhum de nós imaginava o que fosse otrabalho de socorro espiritual nos campos da Polônia. Tudo obscuro, tudo difícil. Não sepodem, ali, esperar claridades de fé nos agressores, tampouco na maioria das vítimas, quese entregam totalmente a pavorosas impressões. Os encarnados não nos ajudam, apenasconsomem nossas forças. Desde o começo do meu Ministério, nunca vi tamanhossofrimentos coletivos.- E a comissão demorou-se muito por lá? - perguntou um dos companheiros cominteresse.- Todo o tempo disponível - ajuntou o Ministro. O chefe da expedição, nosso colegado Auxílio, julgou conveniente permanecermos exclusivamente atidos à tarefa, paraenriquecermos observações e melhor aproveitar a experiência. Com efeito, as condiçõesnão poderiam ser melhores. Acredito que nossa posição está muito distante daextraordinária capacidade de resistência dos abnegados servidores espirituais que ali seencontram de serviço. Todas as tarefas de assistência imediata funcionam perfeitamente,a despeito do ar asfixiante, saturado de vibrações destruidoras. O campo de batalha,invisível aos nossos irmãos terrestres, é verdadeiro inferno de indescritíveis proporções.Nunca, como na guerra, evidencia o espírito humano a condição de alma decaída,apresentando características essencialmente diabólicas. Vi homens inteligentes einstruídos localizarem, com minuciosa atenção, determinados setores de atividadepacífica, para o a que chamam "impactos diretos". Bombas de alto poder explosivodestroem edifícios pacientemente edificados. Aos fluidos venenosos da metralha, casamseas emanações pestilentas do ódio e tornam quase impossível qualquer auxílio. O quemais nos contristou, porém, foi a triste condição dos militares agressores, quando algumdeles abandonava as vestes carnais, compelido pelas circunstâncias. Dominados, namaioria, por forças tenebrosas, fugiam dos Espíritos missionários, chamando-lhes a todos"fantasmas da cruz".- E não eram recolhidos para esclarecimento justo? - inquiriu alguém,interrompendo o narrador.Benevenuto esboçou um gesto significativo e respondeu:- Será sempre possível atender aos loucos pacíficos, no lar; mas que remédio sereservará aos loucos furiosos, senão o hospício? Não havia outro recurso para taiscriaturas, senão deixá-las nos precipícios das trevas, onde serão naturalmente compelidasa reajustar-se, dando ensejo a pensamentos dignos. É razoável, portanto, que as missõesde auxílio recolham apenas os predispostos a receber o socorro elevado. Os espetáculosentrevistos foram, portanto, demasiadamente dolorosos, por muitas razões.Valendo-se de ligeiro intervalo, outro companheiro opinou:- É quase incrível que a Europa, com tantos patrimônios culturais, se tenhaabalançado a semelhante calamidade.- Falta de preparação religiosa, meus amigos - definiu o Ministro com expressivainflexão de voz -, não basta ao homem a inteligência apurada, é-lhe necessário iluminarraciocínios para a vida eterna. As igrejas são sempre santas em seus fundamentos e osacerdócio será sempre divino, quando cuide essencialmente da Verdade de Deus; mas osacerdócio político jamais atenderá a sede espiritual da civilização. Sem o sopro divino, aspersonalidades religiosas poderão inspirar respeito e admiração, não, porém, a fé e aconfiança.- Mas, o Espiritismo? - perguntou abruptamente um dos circunstantes. Nãosurgiram as primeiras florações doutrinárias na América e na Europa, há mais decinquenta anos? Não continua esse movimento novo a serviço das verdades eternas?Benevenuto sorriu, esboçou um gesto extremamente significativo e acrescentou:- O Espiritismo é a nossa grande esperança e, por todos os títulos, é o Consoladorda humanidade encarnada; mas a nossa marcha é ainda muito lenta. Trata-se de umadádiva sublime, para a qual a maioria dos homens ainda não possuí "olhos de ver".Esmagadora porcentagem dos aprendizes novos aproxima-se dessa fonte divina a copiarantigos vícios religiosos. Querem receber proveitos, mas não se dispõem a dar coisaalguma de si mesmos. Invocam a verdade, mas não caminham ao encontro dela. Enquantomuitos estudiosos reduzem os médiuns a cobaias humanas, numerosos crentes procedemà maneira de certos enfermos que, embora curados, creem mais na doença que na saúde,e nunca utilizam os próprios pés. Enfim, procuram-se, por lá, os espíritos materializadospara o fenomenismo passageiro, ao passo que nós outros vivemos à procura de homensespiritualizados para o trabalho sério.O trocadilho arrancou expressões de bom humor geral, acrescentando o Ministro,gravemente:- Nossos serviços são astronômicos. Não esqueçamos, porém, que todo homem ésemente da divindade. Ataquemos a execução de nossos deveres com esperança eotimismo, e estejamos sempre convictos de que, se bem fizermos a nossa parte,podemos permanecer em paz, porque o Senhor fará o resto.  

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