ENCONTRO DE CIPRIANO O BRUXO COM LAGARRONA. QUEM DOS DOIS MAIORES FEITICEIROS?

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          Voltando o grande e sábio Cipriano, mago da Fenícia, de uma festa de Natal, e não podendo atravessar os campos em consequência de haver umagrande cheia no rio por onde teria que passar, teve de se abrigar num túnel formado pela natureza e ali, ao frio e fome, passar a noite. Então, valeu-sede artes de magia, para salvar-se do frio e da fome.       Embrulhou-se num manto que fez com palavras invocatórias, e comeu um maná tal qual o maná dos judeus. E adormeceu num seguro lugardaquela gruta.       Próximo à meia-noite ouviu passos e divisou uma luz. Temen​do que fossem malfeitores, encolheu-se por trás da ponta duma grossa pedra. Poucodepois soou naquela cova úmida uma voz cavernosa, que dizia:       —  O mágico Cipriano, rei dos feiticeiros, por ti aqui venho com quatro fogachos vivos e peço-te que me dês passagem por esta escura gruta,pois sou a Bruxa de Évora, a maior das feiticeiras.       Cipriano ia levantar-se e dar passagem à velha feiticeira, mas teve de recuar a estas palavras:       —  Ó Lúcifer, Filho da Luz, ergue-te e vem até Lagarrona para que ela vença Cipriano da Antióquia, já que rompendo com a prá​tica da feitiçariase converteu à fé cristã. Eu, a Bruxa de Évora, consolo as esposas infelizes, traídas e escorraçadas, com meus pós de sapo e arruda, curo e tragodinheiro, e ele hoje nada mais faz, apenas embruxado em seus mantos dorme e ora.       O santo Cipriano ainda usava de magia, mas só para o bem, então teve que consolar-se do atrevimento de Lagarrona, e disse:       —  No entanto, estás fazendo um feitiço errado, velha bruxa, e, pelo demônio, eu, só eu posso te ajudar!       — Pelo Deus dos idólatras, eu tenho fórmulas corretas, que erro é este? — pergunta Lagarrona.       —  É o feitiço do amor, que leva pele de cobra de zuague, e raiz de urze, que deve ser queimada em nome de Belzebul o Baal das Moscas.       —  Sim. Estás falando certo, mas onde está meu erro? — inda​ga a Bruxa de Évora.               —   É porque não usaste o ingrediente principal, e que tua mãe, a Bruxa Bambina, te revelou — disse o santo.       —   Tu és um pagão ainda, Cipriano. Qual é esse ingrediente? ​pergunta a velha Lagarrona.       —   É a raiz da arruda, a planta que é protetora e traz a sorte — disse Cipriano, fazendo o sinal de Satã.       Triste, a bruxa desatou a chorar e deixou-se cair abandonada sobre uns ramos de árvores que os pastores para ali tinham arras​tado de dia.       O santo levantou-se com grande amor e caridade, e depois de lhe ter sacudido as vestes disse:       —   Tu eras capaz de fazer mil feitiços, mas não o do amor, mas agora aprendestes. Agora sim, és capaz de praticar a magia do amor, mas e amagia fenícia?       Cipriano perguntava isso, porque a ele foram ministrados todos os segredos dos ídolos pagãos. Baal, Astarté, Vênus Car​mona foram seusídolos. Então, passados muitos anos, ele apren​dera com Satanás, numa sexta-feira, as práticas da bruxaria de matar, de fazer nascer, de trazer a fortuna.E, por pena da grande bruxa, que era também sábia e magnânima, ele iria ministrar-lhe os segredos de Pompéia, dos pós de amarração, dos pós decas​cavel e sapos, do ouro alquímico e da sorte.       E, até o raiar do dia os dois riscaram fórmulas e fizeram pre​ces demoníacas.       De repente, explodindo em pólvora, o demo apareceu. Tra​zia as fórmulas certas e corretas, e revela ao grande Cipriano e à sábia Lagarrona,como evocar os espíritos dos mortos. Pronto. Estavam os dois macabros, donos da grande sabedoria da magia negra. O que ocorreria a esses doisprova que é um perigo desen​terrar os cadáveres e usar-lhes os restos de vida: Cipriano morreu degolado em Roma e a Bruxa de Évora foi tambémlapidada nas ruas escuras do lugarejo português. A magia tem também seus limites. E praticá-la para o bem só traz a sorte. Caso contrário... Só trazinfelicidades e desilusões.

São Cipriano O Legítimo Capa PretaOnde histórias criam vida. Descubra agora