PRÓLOGO

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Washington

Noêmia não estava se sentindo bem. Ela se levantou, disse ao namorado que ainda estava enjoada da viagem e foi até o banheiro da Universidade de Georgetown. De frente para o espelho, após lavar o rosto,ela respirou fundo. No alto dos seus 17 anos, recém-completados, ela sabia que a causa do súbito mal-estar não era nervosismo por sua primeira viagem de avião.Claro que as mais de 12 horas de viagem até Washington, combinadas com o jet lag e a ansiedade por aquela tal conferência secreta para a qual fora convocada, não ajudavam em nada, mas a verdadeira razão ela temia descobrir em instantes. O exame de gravidez, comprado ainda no aeroporto, começava a proclamar seu resultado, com as temidas linhas se formando.

A jovem levou a mão à barriga, como quem já tinha certeza mesmo antes de qualquer confirmação. De volta ao auditório, a essa altura já cheio para a tal cerimônia ou seja lá o que fosse, ela tentou manter a calma ao se sentar ao lado do namorado. Ele estava em casa, em seu país, mas não parecia à vontade ali. Ela se lembrou de quando conheceu Joseph, um norte-americano de férias no Brasil. Ainda não entendia como um homem rico e influente havia decidido se hospedar justo no hostel da sua irmã, mas se sentia profundamente grata por isso. Noêmia, que fora das horas de estudo ajudava a irmã na recepção, logo se sentiu hipnotizada pelo gringo, que não economizava elogios a ela. Nem mesmo os 10 anos de diferença de idade foram capazes de conter a paixão arrebatadora entre os dois. E teria sido fácil se apaixonar por ele mesmo por trás daqueles profundos olhos azuis e sotaque carregado. Joseph vira nela qualidades que ninguém antes havia notado. Ela passava horas conversando com ele, enquanto ele se admirava com sua inteligência, desperdiçada num balcão de hostel. Noêmia estava terminando o colégio e planejava cursar medicina no ano seguinte. Agora, com um filho, ela nem sabia mais se isso seria possível. Um filho. Como será que Joseph reagiria a isso? Em instantes ela iria descobrir. Noêmia calculou que aquela era justamente a melhor hora de contar: ela estava em outro país e preferia que a seriedade do local e o público presente impedisse qualquer reação mais extrema.

—Joseph, eu estou grávida — ela anunciou, sem delongas.

Joseph olhou para ela, o rosto pálido. Ele olhou para o relógio, depois para os lados e por fim para o centro, onde um senhor engravatado testava o microfone,prestes a iniciar seu discurso. Ele então segurou firme em seu braço e a puxou, forçando-a a se levantar da cadeira.

— Precisamos conversar longe daqui.

— O que? Espera, Joseph. Já vai começar.

— Nonô, eu preciso que venha comigo AGORA.

— Nós podemos conversar depois, Joseph. Ei, me solta, você está me machucando.

Apesar de falar em português, língua desconhecida para a maioria ali no auditório, algumas poucas cabeças começavam a se virar na direção deles, notando a discussão. Ela ponderaria a respeito com Joseph, mas não deu tempo de mais nada. Tudo aconteceu tão rápido que Noêmia mal conseguiu entender. As portas foram lacradas e cerca de uns dez atiradores surgiram de todos os cantos, com armas maiores do que Noêmia julgava ser capaz de existir. Joseph a protegia com seu próprio corpo, enquanto a puxava em direção ao corredor da esquerda. O caos era tão grande que eles mal podiam ser notados, engatinhando pelo carpete vermelho e empoeirado. Joseph tateou a parede até puxar uma alavanca que fez com que todo o auditório se escurecesse. Ele a pegou no colo e saiu em disparada, só parando em frente ao que parecia ser uma porta, mas no escuro era difícil distinguir. Joseph sacou uma arma da própria cintura e disparou em direção à fechadura. Um corredor deserto se revelou adiante.

— Nós só temos 40 segundos até que o gerador seja acionado e eles nos vejam aqui. Eu preciso que você siga em frente, sem olhar para trás e volte para sua casa em segurança. Pegue o primeiro voo – ele empurrou um maço de dólares na mão dela — Não conte a ninguém que você esteve aqui e que sobreviveu a isso. Está me entendendo? Eles podem ir atrás de você, se souberem. Mantenha nosso filho em segurança. Eu voltarei para vocês.

— E porque você não vem comigo? Vamos logo, Joseph. Você está me assustando.

Joseph tirou do bolso uma identidade de algum tipo de serviço secreto americano e apontou em direção à Noêmia.

— Eu preciso cumprir o meu dever.

Joseph fechou a porta, com a arma em punho, sem olhar para trás. Noêmia acariciou a barriga, com os olhos encharcados de lágrimas. Ela sabia que nunca mais veria o namorado, mas contaria com muito orgulho para o filho que ele morrera como um herói.

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