Cinco anos após o Massacre de Georgetown
NOÊMIA
Rio de Janeiro
Era final de tarde de Agosto quando fui até a Creche Municipal buscar meu filho, como eu fazia todos os dias.
— Como assim o Joseph já foi embora? Isso não é possível. Eu não mandei ninguém buscá-lo. Você deve estar enganada. Chame a diretora, eu quero meu filho aqui imediatamente.
— Desculpe, Dona Noêmia, mas está aqui na ficha, o tio dele veio buscá-lo na hora do recreio. Ele trouxe uma autorização assinada pela senhora.
— Tio? Que tio? Eu vou chamar a polícia. Vocês sabem muito bem que só minha irmã tem autorização para buscar o Joseph e eu estava com ela até quinze minutos atrás.
— Fique calma. Eu vou buscar uma água para a senhora e chamar a diretora Carina.
— Ficar calma? Você está dizendo que sequestraram meu filho e quer mesmo que eu fique calma?
Minha vista escureceu e eu não sentia minhas pernas. Eu devo ter demonstrado isso, pois logo a diretora Carina apareceu e me levou para sua sala, me acomodando no sofá à frente. Minutos depois, dois policiais faziam a ocorrência do desaparecimento de Joseph, perguntando aos funcionários sobre o suposto tio que havia levado o garoto embora.
—Dona Noêmia, perdão, mas quantos anos a senhora tem? — perguntou o policial.
— 22.
— A senhora tem certeza de que o pai do garoto não pode ter vindo buscá-lo? Eu estou acostumado a atender jovens como a senhora, que engravidam muito novas e isso é sempre um problema quando os pais não se acertam.
— O senhor vai me desculpar, sargento Soares, mas enquanto o senhor fica especulando sobre coisas que não tem nem ideia, meu filho está aí sabe na mão de quem.Infelizmente o pai do meu filho morreu antes que ele tivesse nascido e não chegou sequer a conhecê-lo. A família dele não sabe nem que o Joseph existe porque nem eu os conheço. E da minha parte, só tenho uma irmã, que também não sabe onde meu filho está. O senhor pode então, por gentileza, simplesmente fazer o seu trabalho e trazer meu filho de volta, pelo amor de Deus?
Não sei o que me deu na cabeça de desacatar aquele policial. Se ele quisesse poderia ter me levado presa, mas, por sorte, ele relevou e seguiu colhendo os depoimentos das funcionárias da creche. Terminado o trabalho dos policiais, minha irmã, que já havia chegado ao local atendendo a um chamado meu, me levou para casa.
Maria Fernanda é minha meio-irmã. Nossa mãe, Amanda Villa-Lobos, faleceu vítima de câncer há muito tempo, quando eu estava com 11 anos e minha irmã 21. A luta contra a doença já se estendia há alguns anos, então Maria sempre cuidou de mim e se tornou meu porto seguro. Está para nascer uma alma mais iluminada do que minha irmã. Nossa mãe errou muito com ela e com o ex-marido, Vicente Mendes, o pai da Maria. Um dia ela simplesmente juntou as coisas e foi embora, quando Maria ainda era uma criança. Desde então, ela telefonava algumas poucas vezes e aparecia uma vez ao ano trazendo um presente importado para a filha, como se isso fosse suficiente para suprir sua ausência. Até que de repente ela apareceu grávida de mim e decidiu ficar. Apesar de magoado, Tio Vicente foi o maior responsável por Maria perdoar nossa mãe. Quando ela morreu, Maria optou por não morar mais com o pai, para cuidar de mim. Vicente até sugeriu na época que eu também fosse morar com ele e sempre me tratou como uma filha. Se minha mãe nunca quis me contar nem mesmo o nome do meu pai, fui agraciada com um pai postiço maravilhoso, ainda que sem laço de sangue. Com a insistência de Maria em se tornar independente, Tio Vicente nos deu o hostel. Ele disse que não era exatamente um presente, mas sim um investimento de um dinheiro que, segundo ele, estava guardado e parado, mas nem mesmo nos melhores meses do albergue ele havia aceitado um centavo sequer como pagamento. No entanto, as coisas nunca foram fáceis para nós e passamos por bastantes dificuldades financeiras, sempre sendo socorridas pelo pai da Maria.
Eu sempre sonhei em cursar Medicina e cheguei a passar na Universidade Federal para iniciar os estudos,mas com a gravidez acabei desistindo do meu sonho para ter mais tempo, tanto para cuidar do meu filho quanto para trabalhar para sustentá-lo, o que não seria possível fazendo um curso tão denso quanto medicina. Assim,acabei me formando em Ciência e Tecnologia da Informação com ênfase em Gerenciamento de Sistemas, também em uma universidade pública. Recentemente, eu havia sido aprovada em primeiro lugar no concurso público do Tribunal de Justiça Estadual e aguardava ser chamada.
Sobre minha curta passagem pelos Estados Unidos, eu tentava não pensar muito a respeito, até porque nunca entendi bem o que aconteceu. A única pessoa para quem mencionei ocorrido em Washington foi à minha irmã, que havia concordado que eu deveria manter silêncio, para minha própria segurança. De fato, nos jornais quase nada havia sido noticiado a respeito, apenas nomearam o ocorrido como o massacre de Georgetown e divulgaram que o suspeito era um ex-aluno expulso da Universidade, o que eu tinha certeza que era mentira, visto que aquilo era tudo, menos uma reunião universitária – e eu nunca soube de fato porque fora convocada. – Além do mais, eu pude contar pelo menos dez atiradores no dia. As autoridades se esquivaram dedar maiores informações, até que a mídia esqueceu o ocorrido.
Apesar de registrá-lo com pai desconhecido, dei a meu filho o mesmo nome de seu pai. A história que sempre repetia ao pequeno Joseph - ou Joe, como o chamamos - é que o pai morreu como um herói e que nos orgulhamos muito dele. Eu mesma passei a pensar em Joseph sempre como um super-herói, capaz de resolver tudo, e, naquele momento, eu só queria que ele estivesse comigo, pois com certeza ele saberia como trazer nosso filho de volta.
— Mana, e se você procurasse os pais do Joseph? Eles devem ter recursos para ajudar a investigar isso.
Como se soubesse que eu pensava em Joseph, Maria sugeriu, enquanto preparávamos cartazes com a fotografia de Joe para espelhar pela cidade.
— Aí é que está, eu não tenho ideia de como achá-los. O Joseph sempre foi muito reservado, você sabe. Nunca falou sobre os pais e eu também não perguntava muito. Eu não sei nem se eles são vivos.
— E você ainda achava que eu implicava com ele de graça.
— Mas você implicava. Ele só era reservado porque os americanos são assim. Nós, brasileiros, que somos expansivos demais. O que está acontecendo com o Joe não tem nada a ver com isso.
— O fato é que, pelo que percebemos, o Joseph era um cara rico. E isso é determinante agora. Eu sei que você nunca quis o dinheiro dele, mas seu filho está precisando. Vamos, mana, se você não for capaz de encontrar alguém pela internet, ninguém mais será.
Naquela noite, pela primeira vez eu joguei o nome de Joseph Smith nos canais de busca. Minha irmã tinha razão e eu admitia que eu tinha um talento especial para encontrar coisas, fatos e pessoas na internet. Por anos eu havia resistido à curiosidade e deixado o nome e a memória de Joseph intactas, mas agora lá estava eu a um enter de descobrir algumas verdades. Ou não. Não havia nada, nem uma menção no obituário do massacre de Georgetown.
Acessei o sistema do hostel para pegar todos os dados de quando ele se hospedou conosco. Cautelosos, tínhamos até mesmo cópia digitalizada dos documentos de identificação dele, o que me provava que eu não tinha tido nenhum tipo de alucinação, mas, pelas pesquisas, era como se Joseph Smith nunca tivesse existido. Foi então que, intrigada, resolvi dar um passo sem volta. Se na Surface Web não havia nada, eu precisava ir mais longe.
Para os leigos, a internet se resume ao que chamamos de Surface Web, ou internet superficial, em tradução livre, que é só a pontinha do iceberg, construída da parte indexada pelos motores de busca. O que pouca gente sabe é que a internet vai além disso e muito do que os olhos não vêm está na Deep Web, a internet invisível,não indexada e criptografada e na Dark Internet, porção da internet inacessível pelos meios convencionais.
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OS EXILADOS
Science FictionNoêmia viu sua vida mudar quando, após uma viagem misteriosa para os Estados Unidos, presenciou seu namorado morrer como um herói, para salvá-la, bem como o bebê dos dois, ainda na barriga da jovem. Anos mais tarde, após seu filho ser sequestrado, N...