Capítulo 01

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Camila Point Of Views

Era extremamente difícil fechar os olhos para que pudesse deixar meu corpo ter o descanso que o próprio tanto almejava. Não era possível. Eu não podia e nem ao menos queria. Insistia para que minhas pálpebras aguentassem um pouco mais, que não me levassem diretamente para os meus sonhos. Minha mente trabalhava na visão que obtive pela primeira vez, pela manhã. Era tão azul, o céu sobre os meus olhos era a única parte que eu jamais queria perder, sentia que meu coração latejar com a possível ideia. As nuvens  pareciam brincar, satisfeitas em desenhar. Tive acesso a figura de um animal, exatamente como Sinuhe havia me contado, e como havia visto na tevê. Se tornou meu favorito, o leão nas nuvens que fitei primeiro ao alto. Minhas órbitas também avistaram as árvores em excesso que rondavam toda a vizinhança. A luz forte e dourada, que pousou sobre a roupa de lona protetora em meu corpo, iluminou meu uniforme dourado. Sinuhe já me contou que ele às vezes poderia ter uma temperatura extremamente quente e outrora razoável. Meu interior tinha uma súplica para senti-ló, mas eu sabia que não era possível e tão pouco naquela manhã fiquei insatisfeita. Assim como na televisão, visualizei as diversas casas, sua formas diferentes de serem estruturadas. Eu estava encantada com tudo que os meus olhos tiveram acesso, e só desejava poder fitar mais vezes o mundo fora da bolha em minha residência, podendo avistar em outra bolha, mas ainda sim podendo locomover-me.

Em meus dezessete anos, jamais pude visualizar algo que não fosse o cômodo que ficava, dentro da bolha de plastico transparente. Minha vida diária se resumia em uma única atividade, assistir tevê. Pórem, eu adorava acompanhar novelas. Na verdade, era o meu favorito porque meu interior ansiava um vida como aquelas. Também assistia seriados cômicos, me acabava de ri. Era super fã de desenhos animados, à fantasia me agradava muito. Muitas vezes mama acompanhava a ficção na tevê. Éramos uma ótima dupla, e ambas sós. Papa morreu três meses após o meu nascimento, imagino o quão assustador e duro foi para ela, ao refletir um pouco mais velha. Afinal, ela tinha uma filha com uma condição drástica e um companheiro que partiu para nunca mais voltar. Nunca gostei de falar sobre isso, sem conhece-ló não dói tanto, mas faz falta ter mais alguém. Não tendo muitas atividades em um dia, infelizmente enche minha mente de pensamentos e questionamento, talvez um pouco de culpa. Mama jamais aceitaria um pensamento meu assim, mas era inevitável não pensar sobre como ela se esqueceu de sí mesma para se dobrar para mim.  

— Uh, Sunshine? – Está é Gina, seu tom de voz suave e amoroso. Seu trabalho comigo por dezessete anos a possibilitava de ter extrema afinidade comigo. Suas visitas para mim, eram com bastante frequência, quatro vezes na semana.

Pisquei os olhos duas vezes e tentei focar minhas órbitas na mulher de pele negra e belos olhos castanhos.

— Gina? Mas é tão tarde, estava a ponto de cair no sono. – Pronunciei, sentando sobre o colchão inflável. A expressão da mulher mais velha contorceu em uma careta, como se auto repreendesse.

— Me desculpe, mas são ordens de cima, eu realmente preciso te observar durante está noite.

Minha expressão se tornou confusa. Cocei a ponta do meu nariz e neguei levemente com a cabeça.

— Por que? Há algo de errado?

Ela rapidamente negou.

— Está tudo bem, volte a deitar e iniciar uma boa noite de sono. Na verdade, achei que quando chegasse você já estaria dormindo. – Confessou, curvando minimamente os lábios.

— Se fosse um dia qualquer estaria dormindo às nove, como de costume, mas... – Apertei os lábios, seguidamente sorrindo. — Eu pela primeira vez tive acesso fora da casa, pude ver o céu, nuvens, a luz do sol, árvores... Ah, não tão somente na tevê.

— Eu fico feliz por você. Eu já sabia que iria para fora hoje. A realidade é que poderia ter feito isso a muito tempo atrás. Porém, sua mãe temeu muito por você. – Sua voz saiu baixa, quase como um sussurro. Senti meu semblante cair e uma famosa onda de decepção e tristeza me invadir. — Sua mãe te ama tanto. – Continuou. — Ela pediu que não colocássemos essa ideia em sua mente, não tão cedo. Creio que... Para ela é difícil lidar em possíveis mudanças.

— Eu sempre dizia sobre como adoraria ir para fora, e ver pessoalmente como era as coisas, sem que precisasse de televisão para conhecer. – Murmurei com um sorriso de canto. — Sinto que se ela pudesse falar comigo como se sentia, chegaríamos a um acordo juntas.

— Ela nunca faz por mal nada que é em relação a você. Quando ela fala de você, seus olhos chegam a brilhar, as pessoas vêem o enorme amor que ela sente por você, e você é tudo para ela – Suas palavras me tiraram um sorriso, provavelmente meu olhar se encontrou terno.

— Ela também é tudo para para mim.  – Murmurei, deixando meus ombros relaxem um pouco seguido de um suspiro.  — Sinto que as coisas estão se encaminhando para o melhor.

Pronunciei ao me permitir sorri e deixar que meu corpo novamente estivesse esticado sobre o colchão inflável. Bocejei seguidamente coçando os olhos com as costas das mãos.

— Boa noite Gina.

— Bons sonhos, querida Mila. – Essa foi a última frase antes se tudo se tornar escuro.

//

Pela manhã, os primeiros olhos que avistei foram os da doutora Gina, eles estavam fixos em mim. Não entendia a necessidade de tal ordem, para que Gina passesse em claro me visualizando dormir. Suas palavras eram de que não era nada, mas um ato incomum nunca pode ser nada. Talvez ela fizesse igual a mama, ocultasse as informações para mim, o que não me agradava muito. Odiava não saber das coisas, ainda mais se eram sobre mim.

Porém, não questionei nada. Decidi que o melhor era ter um dia normal. O meu dia normal, não era nada normal. Irei resumir em poucas palavras, evito fazer tudo do jeito normal. Para que eu possa escover os meus dentes, mama adentra a bolha, mas vestida com a capa amarela protetora, para que o meu ambiente não seja exposta a qualquer bactéria. Com uma caneca e escova eletrônica, meus dentes estão limpos. O banho, na verdade não era um banho com chuveiros como em novelas, filmes e seriados, eu era submetida à usar lenços umedecidos. Minha vida era evitar ao máximo os atos normais. Minha alimentação era por aparelhos, infelizmente os objetos como pratos e talheres colocavam em risco a bolha. Minhas necessidades fisiológicas eram feitas em bolsas de plásticos, criadas para o uso de cadeirantes ou qualquer outro com dificuldade de utilização de banheiros sanitários.

Eu era totalmente dependente e supervisionada pela doutora Gina. Mama se esforçava para todos os meus cuidados e quando não necessário, me fazia companhia para assistir minhas novelas favoritas.

Era doloroso sua distância, em um canto do sofá enquanto eu estava sentada sobre o alto colchão inflável. Sua risada em um momento engraçado na novela, trazia conforto para o meu coração. Talvez ela sentisse o mesmo que eu, triste pela ocasião, mas lutando para um fim satisfatório.

Eu me questionava sobre como seria o meu fim e se seria satisfatório.

Se eu teria a chance de experimentar o mundo.

Se eu teria o quê para que lutar e prosseguir.

Qual era o sentido da minha vida?

Eu teria somente mama e a doutora?

Eu teria um amor?

Poderia amar no estado em que me encontrava?

Naquela manhã onde eu tive pela primeira vez a chance de pousar os olhos fora da bolha, eu senti que queria experimentar e sentir tudo o que o mundo poderia me proporcionar.

A Garota da Bolha Onde histórias criam vida. Descubra agora