Capítulo 5

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Não foi difícil achar o paradeiro de capitão Rhuan Apache como Gabriel Havenon havia pressuposto. Ele caminhou por uma estradinha, parecido com uma ruela, que o levava sempre para o leste da imensa ilha pirata e acabou percebendo que em menos de uma légua encontrava-se o seu destino. Próximo a taberna estava também o final de um beco. E acima da porta de entrada daquele lugar discreto, havia uma placa que indicava o desenho de uma bandeira portuguesa. A porta era pequena e parecia que uma pessoa mais avantajada teria dificuldade em adentrar no estabelecimento.

Gabriel Havenon então entrou na taberna.

Ali dentro era espaçoso e caloroso. Assim como na taberna de Bob, candelabros, mesas e cadeiras estavam espalhados por todo o ambiente e, do lado oposto, o balcão entalhado de jacarandá era lustroso como deveria ser. Ao canto da taberna estava um amontoado de piratas. Eles haviam juntado três mesas e bebiam todos juntos.

No primeiro momento Gabriel não percebeu, mas depois de pedir para si uma bebida e estando acomodado no balcão, foi que reparou que em meio a esses homens Rhuan Apache também estava entre eles. Tradicionalmente, usando seu sobretudo preto e o seu chapéu pirata, ele se encontrava ao lado de um homem que também usava um chapéu de pirata exagerado e tinha uma barba grande e grisalha.

Não foi preciso que Gabriel fosse até o Rhuan Apache, porque o pirata, tão logo percebeu, se levantou e caminhou em direção ao Gabriel Havenon; mas ao contrário do que se esperava, o pirata passou direto e saiu da taberna sem ao menos cumprimentá-lo.

Será que o Rhuan Apache, cansado de esperar Gabriel Havenon para formar uma tripulação, já não consideraria mais válido o convite? É possível que aquele homem fosse irmão gêmeo do pirata de cara ranzinza?

Gabriel Havenon decidiu que não perderia a caminhada e resolveu ao menos terminar sua bebida, um delicioso vinho tinto da conhecida marca Scalle's.

Ele observava aqueles piratas que gargalhavam se descontraindo, contando piadas e causos. Gabriel percorreu seu olhar pela taberna, em seguida sentiu um calafrio percorrer seu corpo. Percebeu que aquele homem estranho, com sua barba grande e grisalha, possuía um ar maligno. Ele tomou um gole exagerado da bebida deixando derramar um pouco em sua camisa marrom.

-Por Poseidon... -Ele vociferou praguejando.

Justo agora que ele estava com tanta expectativa de ao menos se tornar um marujo, ele teria que voltar a taberna de Bob? Mas e a Amora? Ela era a nova garçonete e tinha a aprovação da maioria dos piratas - senão de todos eles -.

"Talvez eu consiga um emprego em outra taberna aqui de Matioli." Pensou o rapaz.

Enquanto Gabriel refletia, um menino mulato entrou na taberna e, sorrateiramente, dirigiu-se, discretamente, ao lado de Gabriel Havenon, falando em um tom de voz muito baixo:

-Capitão Apache disse que te espera a três tabernas ao sul.

O garoto mal havia terminado de falar e saiu despercebido, sem chamar a atenção dos piratas na taberna. Gabriel não pensou duas vezes, pagou pela bebida, agradeceu ao garçom e saiu em disparada em direção à terceira taberna ao sul. Primeiro teve que retornar à sua procura, porque na pressa, acabou entrando na taberna errada.

Com os passos acelerados ele acertou o local.

A taberna agora era menor, o que lhe dava um aspecto bem mais higiênico. De fato, ela era mais higiênica. O local tinha nas paredes um azulejo inglês, azul e branco, que formavam desenhos simétricos. Algo que provavelmente foi extraviado de um navio britânico. O balcão dali também era diferenciado, era forjado de metal e pintado de um azul escuro. A taberna não estava tão cheia e as pessoas pareciam se vestir melhor. Gabriel Havenon deduziu que o rum e em geral as bebidas custavam mais caro.

Rhuan Apache estava sentado em uma cadeira junto à mesa, ao canto direito da porta de entrada. Ao seu redor as outras mesas estavam todas desocupadas. Então ele fez um sinal para Gabriel se aproximar, oferecendo a cadeira a sua frente com um gesto moderado. O pirata esperou o rapaz se sentar, então começou a falar:

-Sem remora pirata, se veio até aqui sei que poderei contar com sua ajuda. Já sou um velho conhecido de Bob e sei da honra daquele velho, creio que tu tenhas a sua também.

Gabriel fez um aceno com a cabeça, concordando.

-Sim poderá contar com a minha ajuda. Realmente já te vi lá no Guia Noturno...

Rhuan Apache o encarou por um momento e continuou:

-Sem delongas. -Ele suspirou discretamente. -Anteciparam meu plano. Capitão Mentor Ruedell e seus ratos atracaram em Matioli e não na cidade vizinha como eu imaginei.

-Quem são essas pessoas? -Quis saber Gabriel Havenon que de repente lembrou-se da fama daquele nome. -Eles são...

-São os tripulantes do Don Santana. -Interrompeu, prontamente, Rhuan. Gabriel de imediato assimilou aquele nome.

-O que? -O rapaz se exaltou.

Rhuan o encarou e franziu o cenho com a cara fechada.

-Não fale alto pirata. -Continuou Rhuan. -Te chamei para juntos fazermos parte da tripulação do Don Santana...

Gabriel estava atônito.

-Jamais farei isso. Eles saquearam a taberna do Bob...

-E mais centenas de outras tabernas, residências, palácios e tudo mais... -O pirata alto estava perdendo a paciência, então respirou fundo e tomou um gole de rum antes de continuar: -Eu realmente sinto pelo que eles fizeram, mas você terá que conter seus sentimentos e entrar a bordo do Don Santana e, como um tripulante. Chamei-te para me ajudar e realmente preciso de sua ajuda marujo, mas isso tem haver com entrar a bordo do Don Santana ante todas as coisas.

Gabriel estava estupefato.

-Estava aos risos com a tripulação do Don Santana agora mesmo. Eu vi. São amigos?

-Não somos amigos. E nem ele sabe que eu sou seu inimigo. Eu me ofereci para trabalhar no navio dele. Tenho alguma experiência em navegação. -Rhuan parou para tomar um gole de seu rum e continuou: -Ter um navegante a bordo que lhe faça a rota de cursos é o devaneio de todo capitão. E eu sou esse pirata.

A atendente da taberna, tão bela como a Amora, com seu cabelo ruivo cortado até a altura do ombro, veio oferecer ao rapaz uma garrafa de rum com um sorriso encantador.

-Pode trazer para o marujo uma garrafa de rum. -Respondeu o Rhuan Apache entregando-a uma moeda Insalur de bronze.

-Tem rum Scalle's? -Gabriel perguntou.

-Não temos senhor...

-Tudo bem, pode ser o mesmo que o dele. -Gabriel indicou a garrafa de rum de Rhuan.

Rhuan esperou a moça retornar com a garrafa de rum para continuar:

-Ouça rapaz, nosso serviço a bordo do Don Santana é algo completamente arriscado. Eu não conversei com você na taberna portuguesa por que ninguém da tripulação de Ruedell, muito menos ele, pode imaginar que já somos conhecidos. Devemos convencê-los de que nos conhecemos já a bordo do Don Santana.

Gabriel Havenon ouvia a tudo atentamente. De repente lhe veio à dúvida.

-E como vou entrar a bordo do Don Santana? Serei um clandestino?

-Irá entrar a bordo do navio como um marujo. Oferecerá seu serviço pessoalmente ao Mentor Ruedell e ele não recusará. Praticamente tu serás um escravo. Mas isso são detalhes. Fale a ele que é um pirata e que não tem um rumo certo. Depois diga que sempre o admirou e essas besteiras todas. -Rhuan tomou outro gole de seu rum e continuou: -Não possua muitos pertences. Digamos que ele não gosta muito.

-Eu só tenho isso aqui. -Gabriel apontou para a trouxinha que ele carregava.

-Ótimo. -Rhuan sorriu friamente. -Agora vá. Vamos nos encontrar a bordo do Don Santana.

Gabriel Havenon fez menção de se levantar da cadeira. Rhuan Apache o alertou:

-E só mais uma coisa pirata, mantenha-se discreto, a tripulação do Don Santana não é digna de confiança. Guarde seus anseios e segredos e não se afeiçoe a ninguém. -Ele enfatizou. -A ninguém.

... ...


OS REINOS EXÍLIOS - Espadas e ConflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora