Capítulo 9

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Algumas semanas decorreram e o navio pirata ainda seguia em mar aberto. As velas eram mantidas fechadas. O que se presumia, claramente, não existia um curso definido. Navegar sem um rumo, naquele momento, estava se tornando algo monótono, até mesmo pesaroso. De fato, Gabriel nunca havia navegado durante tanto tempo a bordo de um navio e o seu serviço o ajudava a constatar que tudo estava parado demais. "Talvez também fosse essa a conclusão de todos os tripulantes."

Tampouco, o clima estava com preguiça de se alternar. Durante o dia, o sol vinha acompanhado de um céu sem nuvens, ao anoitecer, o firmamento era encoberto por estrelas que faziam companhia para uma modesta lua minguante. Nada de diferente era visto. O negrume das águas, pelo anoitecer, era salpicado por todos os lados de reflexos de estrelas e constelações, a sumir de vista.

Tirando isso, nada mais se podia enxergar durante aqueles dias.

Rhuan Apache parecia ser o tripulante mais arguto. Apesar de passar horas examinando o mapa portulano do capitão Mentor Ruedell, que naquele momento estava cedido a ele, não conseguia entender o que aquelas anotações significavam. Aliás, ele não entendia qual era o verdadeiro intento do capitão Mentor Ruedell. Seja qual fosse o objetivo do capitão do Don Santana ainda não havia convergido com os interesses dele.

Rhuan Apache, assim como todos tripulantes, podiam contar às vezes que viam Mentor Ruedell aparecer no convés principal. Cecília Beatrice, que tinha uma cabine ao lado do capitão, no castelo de popa, aparecia, porém também era ocasionalmente. Nas contáveis vezes que foi até o convés principal era somente para dar um recado ao Oscar Fontaine, o imediato do navio.

O navegador sabia que estavam escondendo algo...

O verdadeiro motivo de Rhuan Apache estar a bordo do Don Santana não tinha nada haver com tesouros, se tornar o imediato ou o próprio capitão, o verdadeiro intento era inibir a ganância de Mentor Ruedell que futuramente iria convergir diretamente em sua vida e de várias outras pessoas. Ele não poderia estar enganado quanto aos planos de Mentor Ruedell. Deveriam em algum momento se tornar óbvio para ele e assim poderia colocar o seu plano em ação.

No momento o que Rhuan deveria realmente fazer era esperar. E pacientemente, ele aguardava o destino se mobilizar a sua causa.

... ...

Gabriel Havenon continuava a trabalhar na parte inferior do navio. O serviço a cada dia piorava e ele pouco podia ver a luz do sol. Seu contato com o capitão Rhuan Apache e até mesmo com os outros tripulantes era bastante reduzido. Passava horas em uma mesma posição, limpando cantos imundos, espirrando com mais frequência, a cada dia que se passava. Ele perguntava-se se não era melhor estar no Guia Noturno junto com o Bob. O trabalho lá era mais prazeroso. Ele tinha um dia na semana em que podia descansar e fazer o que quisesse. Até recebia. Raramente, mas recebia.

O seu sonho estava atormentando-o, enquanto passavam-se os dias e ele permanecia preso na parte inferior do navio. Gabriel Havenon, martelava em sua cabeça, que agora se encontrava naquele lugar porque não tinha um objetivo traçado em sua vida.

Afinal de contas, era aquilo mesmo a sua vocação?

Ele lembrou-se de seu pai. Um médico! E então, de repente a vontade de reler os livros que falavam de medicina aumentou dentro de si. Ele já conhecia aqueles livros, capitulo por capitulo, depois de tanto lê-los. Mas algo o inspirava quando ele os lia. Não importava se fosse pela milésima vez. Mas era algo que se renovava.

"Se eu pudesse colocar em prática o que eu aprendi naqueles livros." Enquanto ele limpava o chão encoberto de lodo, daquela prisão enferrujada, esse pensamento visitava a sua cabeça.

Então uma lembrança lhe veio à memória.

Era a de um senhor que era boticário e que uma vez visitou a taberna do Bob. Na época ele era um adolescente de apenas quinze anos, mas ficou fascinado com as histórias que aquele homem contava. E ficou maravilhado ao descobrir que ele também poderia se tornar um boticário ou até mesmo um médico se ele conhecesse a profissão. Desde então ler e reler aqueles livros que falava de medicina se tornou sua distração nas horas vagas. Gabriel sempre esperou o momento certo para mostrar suas habilidades medicinais e quem sabe um dia abrir seu próprio consultório médico em Matioli. Obstante, a oportunidade nunca chegou realmente, agora ele limpava o Don Santana como marujo a bordo de um navio sinistro, que ele nunca viu pessoalmente, somente ouviu histórias assustadoras de seu capitão, cercado por uma tripulação que para ele eram todos estranhos.

De repente, seus pensamentos foram interrompidos. Um marujo alto e magricela com dentes de ouro o chamou para o convés do navio.

Gabriel não tardou em subir para o convés principal. Chegando lá encontrou toda a tripulação amontoada - a tripulação quando reunida era bastante numerosa -, quase quatro dezenas de homens prontos a defender os interesses do capitão e do imediato. Estava lá também a bela mulher, indiretamente, ela era responsável por tê-lo salvado e o colocado naquela aventura, Cecília Beatrice.

Mentor Ruedell estava parado a porta de sua cabine, no castelo de popa, no andar abaixo se abrigava uma sala espaçosa, chamada sala de reuniões, que sempre permanecia fechada. O capitão apoiava em uma bengala feita de prata que refletia o brilho sol. Ele parecia respirar com certa dificuldade, se reparasse nitidamente. Gabriel Havenon não teve problemas para identificar isso, estava a pouca distância do capitão do navio.

Rhuan Apache, Cecília Beatrice e Oscar Fontaine encontravam-se parados ao lado do senhor daquele navio. Todos eles, sérios e decididos.

Então o capitão se manifestou:

-Senhores, venho a público salientar o meu desalinho acometido contra vós. Estou reparando meu erro. Vamos atracar em uma cidadezinha luxuosa que fica a domínio espanhol, fora das intermediações das ilhas piratas. Lá seremos recompensados por toda nossa espera. -Ele encarou a tripulação, grunhiu e continuou: -O lucro será repartido entre vós, meus homens. Deste eu não quero nada.

Houve muita ovação no convés principal do navio por parte da tripulação.

A espera foi paga pelo seu capitão!

Em meio à comemoração Mentor Ruedell virou-se para Rhuan Apache e falou:

-Trace um curso até o nosso destino. Oscar Fontaine irá instruí-lo. Devemos atracar nesse local o mais breve possível.

Novamente, Mentor Ruedell, entrou, discretamente, em sua cabine, seguido pela Cecília Beatrice. Deixando Rhuan Apache e Oscar Fontaine organizando a rota que os levariam para o mais novo saque da tripulação do Don Santana.

Gabriel Havenon não ousou se aproximar dos dois piratas, mas não perdeu a oportunidade de perguntar ao senhor chamado Lyan como seria esse ataque que a tripulação iria realizar.

Lyan olhou para Gabriel mostrando aflição.

-Algo terrível, grumete. Nunca participei diretamente de um desses ataques. Sempre fiquei a bordo do navio. Em muitos dos casos eles usam da violência. -Ele mostrava amargura na sua voz. -Mentor Ruedell faz questão de liderar os ataques. É algo satisfatório para ele.

O rapaz mostrou-se sisudo e falou:

-Durante toda minha vida eu sempre ouvi as histórias cruéis e insanas que contam a respeito do Don Santana. -Gabriel estava lembrando-se da taberna e da tristeza de Bob ao ver tudo destruído. Com certeza, haviam famílias que eram muito mais humildes e cruzavam o caminho desses piratas transformando-se em vítimas.

-Essas histórias que são contadas são como um prêmio para toda a tripulação. -Completou Lyan. -Eu lhes digo marujo, a razão aqui é a última coisa que pensam em usar.

Gabriel Havenon reparou que Oscar Fontaine o observava. E para piorar estava com o rosto sério - parecia que iria puni-lo -. O rapaz apressou-se em se despedir de Lyan e correu para os seus afazeres.

... ...

OS REINOS EXÍLIOS - Espadas e ConflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora