Capítulo 13

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O que ele esperava? Que Gabriel Havenon rendesse toda a tripulação durante a noite? Ele ficou pasmado ao saber que o imediato nem ao menos sabia o seu nome. Então, certamente, ele não corria tanto perigo como imaginava.

Quando a lua estava no meio do céu e algumas nuvens a cercaram tornando o oceano totalmente negro, o frio aumentou ainda mais no convés do navio.

Gabriel Havenon tremia totalmente. E tudo que ele mais queria era estar deitado em uma das redes ou mesmo estar trabalhando na prisão do navio, porque estaria, ao menos, protegido do frio.

O Don Santana era deixado ser conduzido pelo mar naquela noite. As velas abertas não faziam esforço nenhum. Apenas Gabriel Havenon estava no convés principal, vigiando o navio seguir, lentamente, um curso desconhecido.

Observando se havia alguma garrafa de rum em algum canto ele encontrou uma na proa do navio. Ao se ajoelhar para pegar a garrafa de rum ele ouviu um barulho do lado extremo oposto. Na popa do navio a porta da cabine do capitão se abriu e Mentor Ruedell saiu apoiado nos ombros de Cecília Beatrice. Tendo o peso sobre seu ombro esquerdo, ela esforçou-se para ajudar o capitão a sentar-se em uma cadeira ao lado da cabine.

Ele tinha dificuldade em respirar e estava com a mão sobre o peitoral.

Ao levantar-se, lentamente, ainda segurando a garrafa de rum, Gabriel pôde reparar que eles estavam dialogando em um tom de voz muito baixo.

Gabriel Havenon respirou encarando o capitão e Cecília, na popa do navio, naquele momento, tomou uma decisão arriscada. Mas antes precisou tomar uma golada exagerada de rum para adquirir coragem. Então ao deixar a garrafa sobre um barril, ele começou a caminhar, sorrateiramente, em direção ao capitão do navio.

As histórias sobre o capitão Mentor Ruedell eram sempre terríveis e assustadoras. É como ouvir uma história de terror e agora estar diante do vilão da história. Sobre as coisas mais comuns que ele já ouviu falar sobre o capitão do Don Santana é que ele torturava e matava, simplesmente, por não se simpatizar com a pessoa que tentava dialogar com ele.

E Gabriel Havenon sabia que nesse momento ele se encaixava perfeitamente nesse requisito. Sentindo uma secura na garganta e suas pernas vacilando a cada passo que dava, ele agora só podia continuar caminhando em direção ao seu intento.

Sem ainda perceber a aproximação do marujo, Mentor Ruedell conversava com a bela mulher agasalhada.

-Já não sei se minha saúde aguentará por muito tempo. -Ele se silenciou por um momento e depois continuou: -Meu irmão foi ousado e pagará por isto, nem que custe o resto da minha vida.

Mesmo eles conversando muito baixo, Gabriel Havenon já podia ouvir o diálogo porque agora estava muito perto. E então Mentor Ruedell se virou de lado e viu há alguns metros o marujo se aproximando. Assim como o capitão, Cecilia Beatrice olhou surpresa para ele.

Quando Gabriel já estava muito próximo, Mentor Ruedell se ajeitou na cadeira encarando-o.

-Quem faz a vigia não é o Lyan ou Oscar Fontaine? -Ele perguntou parecendo ser mais para a mulher ao seu lado.

-Senhor... -Arriscou Gabriel tentando iniciar uma conversa.

Mentor Ruedell interrompeu o marujo, parecendo agora que Gabriel nem mais estava ali a sua frente.

-Beatrice o combinado não era esse. Na falta deles há também o Rhuan Apache.

Gabriel Havenon continuou parado na frente do capitão e parecia ser mais um fantasma.

Mentor Ruedell demonstrava em sua atitude vilipendiar o marujo. Gabriel sentiu seu sangue correr mais forte, desprezava ser ignorado.

Antes mesmo de temer a morte, pelo fato de o capitão estar o tratando como um verme, decidiu agir por instinto. Ele respirou fundo e aumentou, consideravelmente, seu tom de voz.

-Percebo que o capitão não está nada bem de saúde. -Gabriel Havenon falou. Depois que percebeu que agiu pelo impulso sentiu um frio nas espinhas. Certamente agora iria morrer!

Mentor Ruedell, mesmo desprezando-o, não pode deixar aquela frase passar em branco. Até Cecília Beatrice ficou assustada com o modo como o marujo falou.

-O que você disse pirata? -Indagou o capitão.

Mentor Ruedell experiente como era, sabia que já haviam percebido o seu problema de saúde, mas tentava manter aquilo em sigilo total. E agora um marujo que ele mal sabia que fazia parte de sua tripulação falava com ele de um jeito nada convencional.

-Me desculpe a ousadia capitão, mas eu reparei isso há algum tempo e pensei que pudesse ajudar. Eu sou um boticário. -Mentiu o rapaz.

Mentor Ruedell encarou o pirata a sua frente em silêncio. Gabriel Havenon continuou:

-Percebo que a sua doença tem a ver com o coração.

-Senhor, ele pode ser útil. -Sugeriu Cecília Beatrice.

O capitão do Don Santana ainda se manteve em silêncio, parecia agora examinar o marujo com roupas simples sem nenhuma extravagância típica em piratas.

-Já estive me examinando com um boticário e até mesmo com um médico. Todos dizem que meu caso já não tem cura. -Respondeu Mentor Ruedell.

-Me desculpe à ousadia, senhor. Talvez a cura seja redirecionada com um tratamento. Em resumo posso fazer algo para o senhor viver melhor ao menos no seu pouco tempo de vida.

Agora o capitão mudou levemente a sua expressão. Parecia de fato interessado no pirata a sua frente. Gabriel Havenon aproveitou a oportunidade e continuou:

-Posso preparar uma receita médica para o senhor se me permitir. Eu posso controlar a sua doença pela alimentação.

Com certeza para um pirata ousado e ameaçador como Mentor Ruedell, ouvir aquilo era no mínimo muito estranho. Mas ele agarrou a isso como uma esperança que pudesse mudar o percurso de seus planos.

-Hoje você pode considerar como um dia de bons ventos, irei te escutar. -Ele encarou a bela mulher. -Cecília Beatrice, providencie para o boticário um dos quartos da intermediação do navio.

-Sim senhor. -Ela assentiu para o capitão.

-Como se chama marujo? -Perguntou Mentor.

-Gabriel. (Era a segunda vez naquela noite que perguntavam seu nome, o que significava que alguém ali mal notara sua presença a bordo do Don Santana).

-Pois bem, boticário, amanhã ainda cedo eu espero pela sua receita.

-O senhor a terá em mãos. -Respondeu Gabriel com convicção encarando o capitão.

Seguindo a bela mulher Gabriel desceu a escotilha, logo no andar abaixo, foi levado para um quarto. Bem ao lado dos quartos onde Oscar Fontaine e Rhuan Apache se hospedavam.

Recebendo a chave do modesto local ele pôde perceber como a sua vida havia mudado de uma hora para a outra. O quarto era mobiliado com uma pequena escrivaninha e uma cadeira, no canto um pequeno armário (que para o Gabriel seria mais que o suficiente para guardar seus pertences) e a cama parecia ser bastante confortável, ao menos, era bem melhor do que as redes onde a tripulação e ele dormiam.

Cecília Beatrice sorriu discretamente.

-Boa noite boticário.

Ele sorriu em resposta.

-Boa noite.

OS REINOS EXÍLIOS - Espadas e ConflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora