Capítulo 12

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Piratas, corsários, flibusteiros, homens que viviam por meses a bordo de um navio pirata (existem lendas de piratas que passaram anos a bordo de um navio sem precisarem atracar); destemidos, aventureiros, temerários, adjetivos não há de faltar. O que é necessário retratar, portanto, é que mesmo com toda a fama que os cercam, depois de um saque proveitoso o que todos os piratas desejam é uma taberna em terra firme, atulhados de rum e rodeados por mulheres. Com a expectativa de consumir, beber e comer, demasiadamente, ter uma paisagem com uma única cor, apenas alterando-se noite e dia e, estar preso há um espaço físico, que por toda imensidão enxergava-se uma quantidade infinita de água, deixava todos a bordo com os ânimos acirrados.

Depois do privilegiado saque, a tripulação arquitetava, com relutante expectativa, atracar o navio - não era mais permitido sequer cogitar permanecer mais uma semana a bordo do navio -. A maioria dos piratas, senão todos estavam mencionando o nome da cidade pirata mais famosa de todas as outras: Matioli.

Eles queriam retornar para o maior centro entre todas as outras ilhas piratas. Pelo menos, eles teriam distrações de sobra.

Oscar Fontaine tentava da maneira mais apropriada possível contornar a situação, mas era algo irremediável. Até ele mesmo queria no fundo uma aventura que pudesse fazer sentido, que pudesse ser elaborada e que pudesse correr riscos. E seria inútil ele inventar que estariam próximos de alguma aventura, por que nem ele mesmo acreditava nisso. Quem deveria autorizar era o próprio capitão e, Mentor Ruedell mantinha-se fechado em seus devaneios.

Gabriel Havenon permanecia ocupado em seu trabalho árduo - limpar o máximo possível o porão do navio -. Depois de décadas, onde homens, talvez mulheres também, foram torturados naquele local, o sangue jorrou-se e misturou à própria podridão que a madeira já aparentava e fazia daquilo uma tarefa inútil. Porém ele não reclamava, naquele lugar isolado se podia ficar quieto e o imediato parecia não se lembrar dele. E agora ele recordava, constantemente, do saque à cidade espanhola que havia participado. Não foi intenção dele e também não havia feito nada contra nenhuma família. Mas o fato de estar junto à tripulação o fazia perceber que concordava com o modo como eles agiam. E tudo que ele mais queria era poder voltar a Matioli e poder trabalhar como um garçom, talvez não agora na taberna de Bob, mas em outra quem sabe.

De repente, ele escutou passos, alguém estava descendo as escadas lentamente. Gabriel alertou-se, - deveria ao menos fingir que trabalhava arduamente -. Mas para o seu alivio era Lyan, o senhor de roupa simples, por quem ele tinha um grande apreço.

-Vamos ao convés marujo. As coisas não andam nada bem. O capitão nos quer falar algo.

-Algo grave? -Perguntou Gabriel.

-Ele tenta conter um motim. -Respondeu Lyan.

Gabriel Havenon seguiu os passos do experiente senhor, no convés principal, encontrou toda a tripulação reunida.

Não era nem de perto o mesmo clima amistoso que o navio se encontrava nas semanas anteriores. Havia homens revoltosos que não se calavam com o sinal de silêncio que o imediato pedia.

Dali de cima, como em um palco, capitão Mentor Ruedell, Rhuan Apache, Cecília Beatrice e Oscar Fontaine acompanhavam os protestos da tripulação, parados na porta da cabine eles tinham a visão completa dos marujos no convés principal.

O frio naquela noite era inclemente. Cecília Beatrice, usando uma blusa grossa de lã, era uma das únicas que se agasalhava. Gabriel Havenon arrependeu- se por estar usando apenas um colete por cima de sua camisa marrom já gasta na vã tentativa de espantar o gélido ar que acompanhava a neblina que cercava o oceano - notoriamente sua camisa com o seu colete preto não poderia esquentar seu corpo álgido -.

Mentor Ruedell estava com a expressão contraída. Mantinha-se rigidamente apoiado em uma bengala revestida de prata. Gabriel Havenon pôde perceber que ele não estava nada bem de saúde e a sua cor era pálida como a lua.

Ele deu um passo à frente encarando toda a tripulação. Todas as vozes cessaram. Respeito aquele homem tinha de sobra.

-Não estão contentes piratas? -Ele falou em um tom de voz firme e antes que alguém pudesse responder a sua pergunta, ele continuou: -Não vejo motivo para um possível motim, ainda somos os mais temidos entre todos. Ainda somos os mais respeitados entre os piratas e os exilados. A Inglaterra, a Espanha, a Holanda, a França e Portugal nos respeitam.

Mentor Ruedell parou de falar, suas pernas faziam um enorme esforço para mantê-lo de pé. Ele permaneceu por um momento encarando a tripulação.

-Por um acaso alguém dúvida disso? -Dessa vez quem perguntou foi o imediato na intenção de continuar o discurso.

-Queremos um curso traçado. -Respondeu uma voz em meio à tripulação.

-Com pormenores e rotas claras para a tripulação. -Outro marujo gritou.

-Somos homens, não porcos do mar. -Sentenciou um dos piratas, era um homem parrudo e com a barba por fazer, estava embriagado de rum e avançava cheio de coragem.

-E terão senhores. -Mentor Ruedell voltou a falar e o homem em meio à tripulação que havia se pronunciado, destemidamente, recuou alguns passos temendo a reação do capitão. -Iremos muito em breve em um novo mundo, pouco conhecido, em terras mais ao sul.

Gabriel pôde ouvir um tripulante sussurrando para o outro.

-Ele fala das terras dos Lusíadas. As terras de Santa Cruz.

-Só pode ser... -Concordou o outro pirata.

Aquele lugar que os piratas falavam era uma colônia que havia sido descoberta há quase dois séculos pelos portugueses. Havia uma forte concorrência entre os espanhóis e portugueses nas terras do ocidente. Os mapas de curso pouco falavam dessa rota - que se sabia muito bem era habitado por índios e outros seres, que nos mitos e histórias contadas se tornavam realidade para muitos -.

O silêncio imperou. O capitão do navio mantinha o controle da situação.

-Reestruturaremos um curso em breve a uma ilha pirata ao leste. -Mentor Ruedell falava pausadamente, tinha dificuldade para respirar. -Peço que enquanto isso os senhores mantenham a honradez e siga a bordo desse navio o código pirata. Não me esqueci da recompensa que prometi a vós piratas.

Era isso que a tripulação queria ouvir.

Houve murmurinhos a respeito daquela decisão, mas ninguém ousou questionar. Em concordância os piratas ergueram suas espadas, era o sinal que aquela audiência estava encerrada.

Mentor Ruedell, sendo ajudado por Cecília Beatrice e Rhuan Apache, entrou em sua cabine.

Oscar Fontaine assistia a tudo, silenciosamente, quando se aproximou de Gabriel Havenon.

-Como você se chama mesmo marujo? -O imediato perguntou.

-Gabriel senhor.

-Pois bem, fará vigia essa noite no convés do navio. Um desalinho e morrerá.

Ele assentiu para o imediato que saiu para as intermediações do navio e deixou Gabriel Havenon parado no convés principal.

OS REINOS EXÍLIOS - Espadas e ConflitosOnde histórias criam vida. Descubra agora