Capítulo II

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Já era outro dia e Alma havia marcado um compromisso logo para o início da tarde. Às duas horas precisaria estar na Cafeteria Forte Sabor para ter uma conversa com Álvaro Garcia. Iriam acertar os últimos detalhes sobre a venda da pintura. Ela se animava sempre que ia a qualquer loja de cafés. Além disso, nunca havia ido à Forte Sabor.

Quando Álvaro propôs o ponto de encontro, ela logo levantou a contraproposta: que fosse um lugar onde vendessem cafés pelos quais ela pudesse pagar. No entanto, ao ouvir que ele mesmo pagaria por qualquer coisa que ela eventualmente consumisse, Alma não se demorou em aceitar a ideia. Afinal, eram poucas as perspectivas de vida melhores que comer um pão de queijo quente e beber um delicioso cappuccino com creme de chantily sem precisar pagar por tal prazer.

Alma chegou à cafeteria 15 minutos antes do horário marcado. Reconheceu de imediato a música que tocava ao fundo. Era Wild, de Troye Sivan. Ela já gostava daquele lugar. Nas paredes havia um conjunto de fotografias modernas. Eram todas de flores. Alma já havia feito seu pedido quando ele entrou pela porta de vidro, o queixo afilado erguido e as mãos agilmente consertando a gravata envolta em seu pescoço.

Álvaro exalava elegância, assim como um perfume amadeirado. Dior, talvez. Não entendia muito disso. Só sabia que ela própria devia cheirar a tinta fresca. Era um cheiro mais natural, pensou. Ao se aproximar da mesa na qual Alma se encontrava sentada, Álvaro estendeu a mão esguia, virando-se em seguida para a garçonete que o encarava.

"Um café expresso." Ele piscou para a jovem, fazendo-a sorrir desajeitadamente antes que ela se retirasse para preparar o seu pedido. Alma passeava com as pontas dos dedos pela alça de sua xícara, um tênue nervosismo pairando sobre ela. Sempre se sentia assim quando se tratava de primeiros encontros com clientes. E jamais nenhum deles havia se igualado a Álvaro em status e prestígio. Sua mente começou a imaginar de um modo um tanto quanto superficial quais tipos de perguntas ele faria a ela. Não fazia ideia do que diria a respeito da pintura.

"E então, Alma Moretti, correto? O que está achando da cafeteira?" Ele logo interrompeu o fluxo de pensamentos da pintora, o braço esticado no encosto do sofá, a manga da camisa social diligentemente dobrada.

"O cappuccino é incomparável, preciso dizer. Adocicado e cremoso na medida certa, com um tênue amargor que soma ao sabor." Ela respondeu sem pestanejar ou gaguejar. Era boa em passar para os outros uma ideia de segurança. Ele abriu um sorriso largo com sua resposta, como se ela tivesse feito um elogio a ele e não ao estabelecimento. "Sobre o quadro que encomendou, senhor Garcia..."

"Desde quando você pinta telas, Alma?" Ele a interrompeu. Alma não sabia como se sentir quanto à intimidade inesperada com a qual ele a tratava. Nunca se abria rapidamente a ninguém.

"Profissionalmente pinto desde os 17." Respondeu, dando de maneira não intencional uma sutil ênfase à primeira palavra. Um grupo de jovens entrou na cafeteira, todos rindo alto e fazendo piadas espalhafatosas. Alma afundou discretamente em seu assento. Não gostava muito de ambientes ruidosos. Preferia o silêncio.

Após algumas breves palavras trocadas sobre o ofício da jovem, a expressão de Álvaro se alterou.

"Posso pedir que mate uma curiosidade minha, Alma? O que leva uma pessoa a escolher a atividade de pintar como profissão? Imagino que não seja nada fácil ter a arte como único ou principal sustento. Não deve se tratar de algo muito rentável ou financeiramente seguro." Álvaro deixava transparecer uma real curiosidade em seu semblante.

"Que pergunta mais repentina, senhor Garcia. Com todo respeito, acredito que descobrir-se pintor seja infinitamente mais recompensador que ser conduzido por uma pressão social a escolher uma profissão que sufocará qualquer desejo seu de viver ou amar. Ver-se rotineiramente fazendo algo para que não tem a menor vocação, isso deve derrubar qualquer um."

"Disse 'descobrir-se' e 'vocação'?"

"Sim."

"E você verdadeiramente acredita em vocação?"

"O senhor não? Não sente algo diferente no pulsar de seu coração toda vez que chega ao seu escritório e adianta seus inúmeros processos? Porque eu sinto quando pego minhas tintas e pincéis e expresso em uma tela aquilo que mais me preenche."

Álvaro, de maneira inesperada, sorriu mais uma vez um sorriso largo ao ouvi-la. Alma suspirou, entendendo então que não mais poderia prever qualquer reação do homem sentado à sua frente.

"Peço desculpas se a ofendi, senhorita Moretti. Garanto a você que não era a minha intenção. Mas preciso dizer que acredito que nós dois iremos nos dar muitíssimo bem. Você sabe o que diz, e isso sempre me agrada. E quanto ao quadro que encomendei, posso dizer que confio em seu gosto e talento. Pagarei agora mesmo a metade do valor." Ele disse ao arrastar através da mesa de madeira um bolo de notas coloridas. Alma hesitou. Nunca havia recebido um tostão sequer antes de entregar a tela preenchida por completo. Por fim estendeu a mão. Contou o valor discretamente.

"Houve um engano, senhor Garcia. Devia me entregar 100 reais, fechamos o quadro por 200."

Álvaro sorriu como quem já esperava ansioso pela pergunta, inclinando-se em sua direção.

"Gostei demais de você para não considerar um aumento. Ficará por 300." Ele piscou para ela.

"Então, senhor," Alma se ergueu de sua cadeira "preciso declinar sua oferta de pagar pelos pedidos de hoje. Eu pago por tudo." Puxou do bolo de notas duas cédulas alaranjadas e afastou-se da mesa larga onde Álvaro ainda descansava.

Ao chegar à sua casa, Alma foi recebida com muito ronrono e roçagem por Hipólito. Ergueu o gato do chão, afagando seu corpo roliço e felpudo. Precisava de um banho. Ficar com o corpo submerso na água por longos minutos sempre a ajudava a desanuviar os pensamentos.

A água quente a circundou, entorpecendo de imediato sua mente. Ali sentia-se resguardada. O sabonete que tinha em mãos, já um pouco desgastado devido ao uso, escapou em um salto de seu domínio, fazendo um sonoro ploft. Um súbito tremor havia tomado conta dos magros dedos de Alma. O que era aquilo? Ela não sabia. Franziu o cenho ao apertá-los com a outra mão, desviando os olhos para o sabonete que agora se desmanchava no fundo da banheira. Pequenos fragmentos seus começavam a dançar pela água, esbranquiçando-a rapidamente. Isso a fez se lembrar de seu quadro.

Pôs-se a pensar. Queria pintar algo genuíno. Queria criar algo de vulnerável, algo de humano. Lembrou-se de quando estava na primavera de seus oito anos. Sempre que as manhãs anunciavam o início de mais um sábado quente, seu pai a levava para a trilha ao lado do Lago Viveiros para que ela pudesse pedalar sua bicicleta. E quanto verde ela sempre via à sua frente! Lembrava com clareza da sensação do vento fresco a conversar com seu rosto. Enquanto seus pés moviam os pedais, costumava direcionar a cabeça para o alto, e então ela via as copas das árvores a se moverem em um infinito de riscos esverdeados, pequenas listras do sol forte traçando seu caminho e trazendo mais colorido ao cenário.

Soube então que era àquilo que deveria devolver algum sopro de vida. Nada lhe parecia mais genuíno, mais humano que aquela memória. Já estava confortavelmente vestida em seu pijama quando segurou o pincel entre seus dentes, estalou os dedos das mãos como quem participava de algum tipo de ritual e esticou o braço, alcançando a palheta onde se encontrava sua tinta verde.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now