Capítulo XXII

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A exposição findou já tarde da noite. Foram horas a fio regadas a muito vinho bom, conversas produtivas e arte em abundância. Leon levaria Alma até seu apartamento, e ambos já se encontravam a caminho quando o relógio apontou a madrugada.

Alma sentia uma exaustão drenar cada músculo e osso do seu corpo. Sua mente, no entanto, esta estava acesa, estimulada por uma felicidade constante. Um chuvisco insistente molhava os vidros do carro, e pelas caixas de som saíam as notas sossegadas de Fresh pair of eyes, de Brooke Waggone. Alma observava a estrada silenciosa e tranquila, os pensamentos pairando em qualquer lugar. As folhas das árvores oscilavam com o contato constante do vento, que sibilava forte do lado de fora.

Então de súbito uma fumaça carregada, estranha e de odor forte passou a escoar aos montes do escapamento, e de modo abrupto o carro estagnou na estrada desabitada. Leon murmurou algo indecifrável, provavelmente um palavrão, Alma pensou. Quase nada podia ser visto no horizonte – exceto uma construção humilde, a fachada obsoleta e um letreiro desbotado com as palavras 'Hotel dos Espinosa' gravadas.

"Precisamos entrar naquele hotel por um instante, Alma. Está muito tarde para ficarmos aqui, seja para ligarmos para um guincho ou para um posto de gasolina, seja para eu tentar resolver esse pepino sozinho. Lá dentro a gente vê o que faz. Pelo menos lá não passaremos frio." Ele então abriu um sorriso vacilante, contraindo os dois braços contra o corpo, os pelos eriçados. Tudo bem, será rápido, Alma pensou ao curvar os lábios.

Na recepção do hotel, atrás de um pequeno balcão de madeira, uma senhora de cabelos grisalhos vestia um casaco de lã desbotado e tinha uma revista velha em mãos. Sem desviar os olhos das palavras impressas no papel, ela abriu um sorriso convidativo.

"Esses chuviscos que vêm sem aviso trazem um vento desconfortável, vocês não acham?" Ela disse, fixando em seguida os olhos nos dois de modo atento, como se os estudasse.

"Boa noite" Leon disse, inclinando o corpo para a frente, em direção ao balcão. "Minha senhora, nosso carro quebrou logo aqui, em frente ao seu hotel. Teria como a senhora me passar o telefone de um guincho ou algo do tipo?"

A velha mostrou os dentes implantados, balançando a cabeça efusivamente.

"Meu rapaz, se eu fosse você esquecia essa ideia até que amanheça. Estamos em um fim de mundo, e a essa hora da madrugada nenhum funcionário de posto de gasolina ou guincho vem até aqui. Ah, muito menos táxi ou qualquer coisa do tipo. Reserve logo um quarto para você e sua namorada. É o melhor que podem fazer a essa hora da madrugada." Ela disse, apontando para Alma com o queixo.

"Nós não... somos namorados." Alma sussurrou, os braços pressionados contra o corpo. Havia esfriado de fato.

"Ih, meus queridos, então preciso avisar que só temos disponível no momento um quarto. Esse é um hotel de beira de estrada, é pequeno e sem luxo, mas muitos param aqui para descansar. O quarto terá para vocês duas camas de solteiro - mas ainda é um quarto apenas." Ela deu de ombros ao pegar um formulário em uma gaveta envelhecida. "Ou vocês descansam ou ficam acordados até as sete da manhã, que é quando se pode resolver qualquer coisa aqui por perto."

"Mas nós não temos nada conosco! Como dormiremos, com as roupas em nossos corpos?" Alma indagou, reticente em sua fala e expressões.

"Ah, minha jovem, não se preocupe quanto a isso. Eleonora!" A senhora esgoelou-se ao berrar o nome, virando-se para a porta que dava para o interior de uma sala.

Uma mulher saiu da porta estreita, os cabelos negros e lisos presos em um rabo de cavalo simples, um par de óculos de fundos grossos e um casaco fino de linho protegendo seu corpo franzino contra a corrente de frio que invadia o pequeno saguão.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now