Capítulo XXVIII

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Alma vestia seu moletom e comia uma tigela de cereais, com Hipólito enroscado entre suas pernas, quando bateram à porta de seu apartamento logo pela manhã.

"Álvaro?" Ela engasgou ao vê-lo parado em frente à sua porta com um sorriso desconcertado e um tecido branco em mãos, sendo este erguido em sinal de reiteração da paz entre os dois.

"Olá, Alma. Eu posso entrar por um instante?" Ele já havia guardado o pano e a mão em um de seus bolsos. Alma pensou por alguns segundos breves.

"Sim, claro, pode entrar." Ela assinalou ao indicar com o braço o interior de seu apartamento. "Só não ligue para a bagunça... Os últimos dias não têm sido exatamente fáceis para mim."

Álvaro estava como sempre. Os cabelos, repletos de espaçados fios dourados, estavam penteados para trás, uma camisa social em tom pastel marcando os músculos discretos dos braços, os mesmos olhos expressivos ornando seu rosto.

"Pode se sentar onde quiser. Quer alguma coisa? Um café preto?" Alma se recostou na bancada de sua cozinha, cruzando os braços magros contra o corpo. Álvaro respondeu com um breve balançar de sua cabeça, os olhos fixados em Hipólito enquanto o gato o encarava de volta.

"Como naquela noite, você se lembra?" Ele falou alto ao ouvir Alma encher uma chaleira de água. Ela nada disse. Aguardou a água aferventar, coou o pó e serviu a bebida quente em uma caneca.

"Desculpe pela caneca, minhas xícaras estão sujas e ainda estou sem detergente." Ela entregou a caneca a Álvaro, permanecendo em pé em seguida, os braços mais uma vez cruzados. "O que você está fazendo aqui, Álvaro?"

Ele suspirou, repousando sua caneca na mesinha de centro de Alma, repleta de papéis espalhados.

"Alma, eu só queria conversar um pouco. Estava pensando em você e... Bem, em nossa última conversa nos despedimos em paz, se lembra?"

Ele dizia a verdade, Alma pensou ao se desarmar por fim, sentando-se no braço de seu sofá. Apanhou sua tigela de cereais na mesa de centro e voltou a comê-los.

"Como você está, Alma?" Álvaro perguntou ao reclinar-se consideravelmente em direção a ela, a caneca entre seus dedos fortes. "Ainda mantém contato com aquele vendedor de tintas?"

"Leon" Alma logo tratou de corrigi-lo. "E sim, ainda mantemos contato. Aliás, Leon é meu namorado." Ela soltou a informação como que despretensiosamente, e então passou a estudar as feições de Álvaro. Não foi capaz de identificar qualquer coisa - ela sabia que Álvaro era muito hábil em camuflar as suas reações. Era muitas vezes uma forma de auto proteção.

"Isso é bom, Alma." Ele recostou o braço no encosto do sofá, o olhar fixo nos de Hipólito, que se encontrava descansando sobre umas das prateleiras da estante de Alma, o corpo esparramado por cima de um livro de artes. "Sabe, para ser sincero eu havia percebido algo durante a noite da exposição. Algo na forma como vocês se entreolhavam, e na forma como pareciam em sincronia quando na presença um do outro."

"Acho que isso acontecia há mais tempo que eu mesma poderia imaginar." Alma cochichou, mais para ela mesma que qualquer outra coisa. Álvaro a encarou calado por alguns instantes, e então voltou a falar.

"Lembra-se da Luana, Alma?"

Alma semicerrou os olhos, uma expressão de quem se esforçava, e então balançou a cabeça negativamente.

"Vamos lá, Alma, você já a viu. Minha secretária, cabelos ruivos, olhos levemente esverdeados..."

Ela ergueu a cabeça e as sobrancelhas, sinalizando que agora sabia a respeito de quem Álvaro falava.

"Nós estamos nos vendo. Há três semanas. Bem, ainda é algo inicial, mas estou esperançoso quanto a ela. Gosto dela." Álvaro então abriu um sorriso - um honesto. E isso se refletiu no rosto de Alma.

"Fico feliz por vocês, Álvaro. De verdade, torço para que dê tudo certo entre os dois."

Álvaro alargou ainda mais seu sorriso, até que de súbito uma feição pensativa tomou seu rosto.

"Gosto de Luana, Alma. Mas quero que saiba que nunca nenhuma mulher pôde mexer com minha mente e sentimentos como você pôde. E não digo isso para tentar ganhá-la de volta. Sei que isso não acontecerá, estou seguindo em frente e também estou feliz por você e Leon." Ele então segurou uma das mãos de Alma, uma hesitação podendo ser sentida em seu toque. "Mas a verdade é que eu não conseguiria seguir em frente por completo sem que você soubesse como me sinto em relação a você."

Alma soltou todo o ar preso em seus pulmões ao ouvir aquelas palavras. Álvaro também havia significado algo para ela – e um algo de grandes dimensões. Ela nunca havia se mostrado tão desnuda em sua alma para alguém antes dele aparecer. Ela se sentiu à beira de um precipício e Álvaro estava lá para puxá-la; ele havia servido de bálsamo para Alma, e nada que ele havia feito depois jamais a faria se esquecer de todo o conforto encontrado nele. Isso não lhe pareceria justo ou verdadeiro de sua parte. E se ela havia recusado reatar sua relação com Álvaro por um excesso de maturidade e racionalidade ou por um orgulho? Bem, isso Alma não saberia dizer. E talvez fosse melhor não buscar qualquer resposta.

"Obrigada, Álvaro. Talvez essa conversa tranquilize nem que seja parte de meu dia. Você sempre sabe como fazer com que me sinta ao menos um pouco melhor." Ela esticou a mão magra em direção a Álvaro mais uma vez, e um sorriso diferente se abriu no rosto dele – um sorriso de quem dizia mentalmente missão cumprida.

"Bem, Alma, talvez seja melhor eu ir embora. Tenho uma reunião no Empire Building, e depois levarei Luana a um restaurante japonês. Terra do Sol Nascente. Conhece? Talvez nós possamos um dia marcar um encontro duplo lá. Mas depois. Apenas quando eu houver seguido em frente sem quaisquer ressalvas. Pode ser?"

"Sim" Alma cerrou os olhos, a cabeça balançando afirmativamente e um sorriso contido em seus lábios. Quando ela já havia aberto a porta de saída de sua casa e Álvaro já fazia menção de partir, ele se voltou para ela mais uma vez, uma sobriedade impressa em seus olhos.

"Mais uma coisa, Alma. Eu sinto muito. Sinto mesmo. Li em algum jornal." Ele murmurou buscando algum contato visual, do qual Alma escapou com sucesso. Não queria chorar mais uma vez. Não agora, ela pensou. "É verdade que não cheguei a ter uma oportunidade de conhecê-la, mas sei que ela era importante para você."

"Muito." Alma falou, a voz embargada tão rouca que ela sequer pôde ter certeza de que Álvaro havia escutado. Ele a puxou cuidadosamente para estreitá-la em um abraço.

"A gente se esbarra por aí?" Ele encostava o rosto nos cabelos negros de Alma, a respiração constante. Alma então abriu um sorriso breve e se livrou do abraço, a fim de olhá-lo nos olhos.

"A gente se esbarra por aí. Acho que nunca conseguiria me livrar de você de vez, não é?" Ela soltou uma risada abafada, a qual ele acompanhou sem demora.

"Eu espero que não."

Ótimo, Alma pensou ao vê-lo se distanciar pelo corredor. Ela havia conseguido manter-se em bons termos com Álvaro. Talvez ela houvesse acabado de ganhar um amigo.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now