Capítulo XIV

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Alma sabia que precisava conversar com Amália, e precisava fazê-lo com urgência. Era necessário saber quais passos deveria tomar de agora em diante. Ela se sentia andando em um beco escuro, sem saber o que a aguardava logo à frente, apalpando o que pudesse em busca de apoio para seu próximo passo.

Sentia também como se alçasse o voo mais alto, afinal ela fecharia negócio com Manoel Ferraz, um dos homens mais ricos e visibilizados de toda sua cidade, e isso ela nunca poderia ter imaginado que um dia aconteceria a ela - mas sentia como se o peso de uma doença desconhecida a puxasse para baixo com toda a força.

Ela também sabia que havia agido errado com Leon. Muito errado. Ele a ajudou sem pensar a respeito em um dos dias mais difíceis de sua vida; ele a acompanhou e apoiou, e ela o tratou mal. Sabia que precisaria pedir perdão a ele. Já havia ensaiado algumas vezes em frente ao espelho quais palavras usaria para tentar justificar o que para ela já parecia injustificável.

O dia de se encontrar com Manoel Ferraz havia chegado. Ele a encontraria às sete da noite em um restaurante especializado em comida caseira - Sabor do Brasil. Ela sabia que a escolha tratava-se apenas de uma estratégia de Ferraz para fazê-la sentir-se mais à vontade - até parece que ele frequentaria restaurantes que não fossem como o Espazzo Gastronômico ou qualquer outra coisa parecida. Mas tudo bem. Ela havia adorado a escolha.

O restaurante era adorável - aconchegante, arejado, iluminado. E lá se encontrava Manoel Ferraz. Seria impossível não reconhecê-lo logo de cara: era um homem aproximadamente em seus cinquenta anos de idade, os cabelos muito bem alinhados já grisalhos, paletó extremamente esmerado. Sim, seria impossível não reconhecê-lo de imediato. Manoel Ferraz logo a viu, acenando para que ela se aproximasse, um Rolex chamativo em seu braço. Deus, aquele homem era mesmo rico!

"Boa noite, senhorita Moretti. Espero que perdoe a liberdade que tomei, mas já fiz nosso pedido. Omelete de forno e suflê de cenoura. Também pedi cogumelos recheados. Álvaro me contou que prefere não comer carne, certo?" Ele disse ao acenar para que um garçom arrastasse uma cadeira para Alma se sentar. Que desnecessário, Alma pensou consigo. Ela era muito bem capaz de sentar-se sozinha.
"Boa noite, senhor Ferraz. Não há qualquer problema quanto ao pedido que fez. Obrigada, tenho certeza de que tudo estará delicioso. E quanto a Álvaro, ele está certo, prefiro não comer carne." Ela disse sorrindo ao se sentar e esticar a mão para Manoel.

"Bom saber que acertei em minhas escolhas, senhorita Moretti. Vamos conversar sobre negócios, sim? Você precisará de quanto tempo para me entregar a pintura finalizada?"
Droga. Ela ainda nem sabia se sua doença interferiria em seu trabalho no fim das contas. Saindo dali ela iria imediatamente ao apartamento de Amália.

"Bem, senhor, considerando que a tela é de 60 centímetros por 125, precisarei de uns dois meses dedicando-me à sua encomenda. É claro que tudo dependerá daquilo que você pedir para eu pintar, senhor Ferraz."
"Álvaro Garcia disse a mim que posso confiar em seu bom gosto. E eu confio em Álvaro. Desejo algo que passe uma ideia de aconchego, conforto; algo que seja convidativo. Afinal, seu quadro será a porta de entrada ao meu edifício. Pense em algo."

"Pode deixar, senhor."

"Ah, e por sinal, decidi subir o valor para R$ 1000,00. Não quero que se sinta uma pintora desvalorizada."

Alma não tentou objetar. Não se encontrava na posição de recusar qualquer dinheiro. Logo os pratos chegaram e eles prosseguiram em uma conversa um pouco mais relaxada. Tocava ao fundo um samba instrumental suave enquanto Alma saboreava a refeição. Assim que se despediu de Manoel Ferraz, decidiu que engoliria a seco o orgulho que ainda sentia e iria até Amália.

Já passava das oito e meia, e por se tratar de uma quinta-feira, Alma logo imaginou que a irmã estaria em casa. Após dez breves minutos chegou ao Edifício Residencial Coucher de Soleil. Senhor, quanta breguice num nome só, Alma revirou seus olhos. Soltou uma risada desajeitada assim que Amália abriu a porta de madeira maciça vestindo um pijama repleto de pequenos desenhos de unicórnios.

"Qual é a graça, Alma?" a médica ergueu uma sobrancelha para a irmã caçula.

"É que sempre te vejo vestindo jalecos ou roupas sociais. Não sabia que a existência lendária dos unicórnios era de seu conhecimento."

"Ha-ha-ha" Amália deu uma risada irônica, acenando para que Alma entrasse. "Quer um pedaço de torta de frango? Maria assou hoje à tarde, está deliciosa."

"Você sabe muito bem que não como frango, Amália. Além do mais, acabei de jantar, e minha visita será breve e precisa. Não pretendo nem posso demorar."

Amália havia se sentado em um puff afofado no chão, uma vasilha com um pedaço de torta em mãos.
"Do que se trata, Alma?" Ela sussurrou após suspirar, como quem já previsse a resposta da irmã. A pintora respirou fundo algumas vezes antes de dizer qualquer coisa.

"O que eu devo fazer agora, Amália?"

Amália suspirou antes de repousar sua vasilha no chão ao lado do puff.

"Temos dois caminhos possíveis, Alma, e confesso que não quero que precisemos chegar ao que representará nosso plano B." Amália levantou-se e caminhou até o móvel em sua sala onde se encontrava repousada uma garrafa de água. "Iniciaremos um tratamento com medicamentos que deverão aumentar o nível de dopamina em seu cérebro. Isso provavelmente controlará todos os sintomas que vem sentindo."
"E se isso não controlar?"

"Bem, aí precisaremos pular para o plano B."

"Que é...?"

"Uma cirurgia. Mas se chegarmos a isso, não se preocupe, eu mesma irei liderar a equipe durante o procedimento. O que faríamos seria a implantação de algo como um marca-passo cardíaco, mas que em vez de controlar seu coração, controlaria suas atividades cerebrais."

Alma, ao ouvir as palavras de sua irmã, não proferiu um som sequer. Não balançou a cabeça afirmativamente, apenas manteve-se imóvel, como quem ainda processasse o que havia ouvido.

"Alma... Papai já sabe?"

"Não... Ainda não. Mas logo contarei tudo a ele... Só preciso de um pouco mais de coragem." Amália logo acenou em concordância com Alma - afinal, o problema dizia respeito à sua irmã e era ela quem deveria tomar as decisões.

"Apareça no HSJM amanhã, e prometo que cuidaremos disso."

Alma apenas acenou rapidamente. Decidiu que partiria logo, afinal já era a segunda vez que se encontrava com Amália e as duas se despediam sem qualquer briga ou discussão. Antes de passar pela porta de saída, Alma olhou para sua irmã mais velha mais uma vez.

"Amália... Obrigada."

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now