Uma música suave preenchia o salão, as paredes repletas dos mais variados quadros e os corredores recheados de pessoas discutindo a dança de cores que seus olhos testemunhavam. Álvaro a puxava para um canto isolado, os olhos graves grudados nela a cada instante, sem se desviarem por um breve momento sequer.
Alma abominava danças. Por mais que esmiuçasse sua mente, não era capaz de encontrar um motivo sequer para ter dito sim a Álvaro – logo ele, dentre todas as pessoas presentes naquela galeria. Talvez ela quisesse expulsar de vez de dentro de si aquele resquício de ressentimento que ainda fazia seu coração apertar em seu peito quando seus pensamentos se voltavam para ele.
Talvez.
Álvaro, a mão apoiada com leveza logo abaixo da cintura de Alma, estudava com paciência o rosto da pintora. Enrugava as sobrancelhas, delineando cuidadosamente cada traço de Alma com seus olhos concentrados. O indício de um sorriso perpassava seus lábios.
"Quer tirar uma fotografia? É bem mais prático, eu garanto." Alma surpreendeu-se e se irritou consigo mesma ao notar que impensadamente havia um tom risonho em sua voz.
"Ah, Alma, fotografia nenhuma retrataria com fidelidade tudo que estou vendo agora." Ele murmurou contra o ouvido dela, apertando a mão suavemente calejada de segurar pincéis contra a sua.
"Álvaro, por favor, o que você quer comigo? Eu disse para me esquecer, não disse? O que você está fazendo aqui?"
Ao ouvir a última pergunta de Alma, um sorriso astuto irradiou-se em seu rosto. Ele então retirou do bolso interno de seu paletó um papel abarrotado. Alma percebeu que se tratava de um folheto contendo informações a respeito da exposição, e na ponta da página estava escrito seu nome.
"Não acredito que veio até aqui esta noite porque leu meu nome no folheto informativo." Alma ergueu uma sobrancelha, incrédula. Álvaro foi então gradativamente interrompendo seus movimentos. Alma passeou com os olhos atentos por toda a extensão do salão, à procura de Leon. Ele não estava em nenhum lugar à sua vista.
"Procurando aquele vendedor?" O advogado indagou como quem fosse apenas curioso.
"Por que te interessaria quem estou procurando, Álvaro?"
Álvaro gemeu baixo antes de carregar Alma por uma das mãos para fora da sala. A noite estava mais tépida que a anterior. Além da luz que escapava do ambiente interno, pequenas luminárias adornadas clareavam a noite. Uma fonte d'água ornava a vista, trazendo certo frescor ao clima. Álvaro fixou mais uma vez seus olhos em Alma, dessa vez uma seriedade estampada em seu rosto.
"Alma, eu ainda penso em você todos os dias. Se fosse possível voltar no tempo, ah, Alma, eu voltaria, e então eu mudaria tudo." Ele recurvou as sobrancelhas, uma agonia tornando-se mais e mais notória no tom de sua voz a cada palavra. Alma sentiu seu coração afundar em um instante. Um silêncio tornava o ar noturno carregado.
"Mas isso não é possível, não é mesmo, Álvaro?"
Ele nada respondeu. Baixou a cabeça. Só se podia ouvir o som da água fluindo por entre as pedras que se agrupavam na fonte.
"Não existe qualquer chance de reatarmos?" Ele perguntou após alguns segundos silenciosos, a voz embargada.
"Álvaro, por favor..." Alma suspirou, grudando os olhos verdes no chão empedrado. "Você já está consciente quanto à minha resposta, não está?"
Ele mais uma vez permaneceu calado, uma ansiedade perceptível escapando a cada respiro seu.
"Não vou guardar qualquer rancor contra você, Álvaro. Não conseguiria, isso não é de meu feitio." Álvaro abriu um sorriso ao ouvi-la, um sorriso retraído, mas otimista. Alma soltou um gemido baixo antes de prosseguir. "Mas dar outra chance a nós dois... Bem, isso também não é de meu feitio."
Álvaro, balançando a cabeça em um ritmo arrastado, estendeu uma mão, como se erguesse alto uma bandeira branca em sinal de paz. Alma, segurando com força a mão estendida, inclinou-se para a frente, beijando demoradamente a bochecha de Álvaro.
Ela não soube quanto tempo durou aquele momento. Afinal, o tempo suspendeu-se em seus pensamentos enquanto seus lábios permaneceram conectados à pele morna de Álvaro. Ela pôde sentir mais uma vez aquele gosto, aquela calidez e o roçar daquela barba escassa invadirem os seus sentidos.
Mas os sentimentos que alastraram-se nela até então enfim desapareceram. Ela abriu um sorriso, o mais sereno em muitos dias. Enfim havia expulsado de dentro de si aquele resquício de ressentimento que havia feito seu coração apertar em seu peito.
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O verde nos teus olhos
General FictionAlma é uma jovem pintora repleta de amor por sua arte, capaz de enfrentar a todos para seguir seu sonho profissional. Todavia, a descoberta de uma doença a fará temer não mais poder pintar os seus quadros. Ao descobrir com quem pode de fato contar...