Capítulo XIX

45 6 4
                                    

Alma levantou-se do banco acolchoado da sala de espera assim que viu seu nome escrito no pequeno telão. Abriu a porta e espiou com a cabeça, um sorriso vacilante em seu rosto.

"Alma, entre, por favor. Fiquei tão feliz quando recebi seu telefonema, você não pode imaginar." Amália apertava entusiasmada a ponta de uma caneta. "Essa é Larissa Duarte. Ela será sua fisioterapeuta, e te acompanhará durante todo o tratamento."

Alma esticou a mão para Larissa, o sorriso antes titubeante em seu rosto tornando-se afável. Logo Larissa começou a explicar tudo a Alma.

"Bom dia, Alma. A fisioterapia voltada para o Parkinson é bastante útil para quem é portador dessa disfunção. A partir do tratamento que iniciaremos em breve, possíveis limitações funcionais causadas pela rigidez serão reduzidas. E tem muito mais: conservaremos seus movimentos, e poderemos dessa forma precaver possíveis retraimentos e deformidades. Haverá também uma melhora de sua coordenação - e de seu equilíbrio. Será aumentada sua capacidade pulmonar - ou melhor, sua resistência física no geral."

Alma prosseguiu ouvindo as palavras de Larissa por bons minutos, respondendo sempre com um breve balançar de sua cabeça, o mesmo sorriso ainda em seu rosto.

"Muito obrigada, Larissa. Se me der licença, vou terminar a consulta marcada." Amália deu uma piscadela para a fisioterapeuta, e a jovem, acenando para Alma, retirou-se do consultório. "Alma, como é bom ver esse sorriso o tempo todo em seu rosto. Posso saber o que alterou seu ânimo dessa forma?"

"Falar a respeito das coisas da vida com papai e com Ananda. Às vezes só precisamos de uma conversa desprensiosa em um fim de tarde para mudarmos um pouco as perspectivas sobre nossas vidas, não é?"

Amália apenas sorriu, um sorriso orgulhoso. Então mudou de súbito sua expressão, erguendo suas sobrancelhas e inclinando-se para a frente.

"Então, Alma, quando pretende ter uma conversa com aquele rapaz, Leon Hipólito?"

Alma franziu o cenho, torcendo os lábios. Como Amália poderia sequer se recordar de Leon? E como ela poderia saber que os dois precisavam ter uma conversa?

"Espere... Como você sabe dessas coisas?" Alma cruzou os braços. Amália, por resposta, deu de ombros.

"Digamos que um passarinho me contou. Mas o que importa é que alguém quer conversar contigo. Disso eu sei - de alguma forma. Só sei que sei." Amália sorriu largo, acenando para a irmã sair logo pela porta do consultório.

Alma não conseguiu desenrugar seu cenho por todo o caminho. A música Waisting my young years, de London Grammar, tocava através de suas caixas de som, preenchendo todo o carro, mas pela primeira vez Alma não conseguia cantarolar qualquer palavra. Sua conversa com Amália havia sido de fato estranha, ela pensava enquanto dirigia em direção ao prédio de Leon.

Ao chegar ao apartamento 105, Alma não se demorou em bater à porta. Se aguardasse por coragem, ela sabia que retornaria logo à sua casa. Leon abriu a porta de PVC branca, erguendo as sobrancelhas e sorrindo largo ao vê-la, um sorriso sincero.

"Alma! Entre aqui, por favor! Quer um copo d'água? Um pedaço de bolo de fubá? Comprei um agora há pouco na padaria que tem aqui, logo ao lado."

Alma puxou o máximo de ar que pôde para dentro dos seus pulmões, estudando o ambiente ao seu redor. Holly, a chinchila, observava-a de cima da sua gaiola. A luz que atravessava a janela larga evidenciava as cores da colcha de retalhos que cobria a superfície do sofá, e um universo de papéis espalhavam-se pelo chão.

"Desculpa, são papéis da faculdade que estou pagando para mim..." As bochechas delineadas de Leon de repente avermelharam-se. "Não é nada fácil ter uma casa arrumada quando você passa todo o dia fora. E quando volto, passo todo meu tempo restante com Holly." Ele acariciou os pelos da chinchila.

"Leon" Alma sussurrou ao abrir um sorriso tímido. "Sei que tenho algumas coisas a te dizer, mas antes quero entender por que minha irmã me aconselhou que eu viesse vê-lo."

Leon fechou a porta apressado, buscando disfarçar uma animação que marcava cada músculo de seu corpo. Ele pôs-se em frente a Alma, segurando seus ombros magros.

"Alma, eu já te disse por acaso que a Empório do Papel é uma franquia?" Alma piscou os olhos para ele, confusa com as palavras que ouvia. "Estêvão Barcelos, é como se chama o dono. Bom, ele é sócio dos Drummond, donos da Galeria Arte Nativo." Leon encaminhou Alma em direção ao sofá, para que enfim se sentassem.

"Estêvão Barcelos estava aqui, em nossa cidade, na semana passada. Ele vem vez ou outra, para garantir que está tudo acertado. Um dia estava me aproximando do seu escritório quando percebi que Barcelos conversava ao telefone com um Drummond. Falava sobre 'encontrar novos artistas os quais representassem o sopro de ar fresco do qual a arte precisa' - foram as palavras que ele usou. Bem, digamos que depois de ouvir isso fui correndo ao hospital onde sua irmã trabalha."

Leon pausou sua fala, permitindo que seu sorriso se alargasse mais ainda. Alma entortou a boca, sem entender em nada onde Leon pretendia chegar. E então a expressão no rosto de Leon alterou-se de súbito, como da água para o vinho.

"Amália me contou tudo, Alma. Sobre sua doença. Mas não fique chateada com ela, por favor. Eu implorei que me contasse..." Leon buscava agora manter contato visual com Alma, mais que nunca. Ele então respirou fundamente antes de prosseguir. "E ela foi uma grande, grande ajuda para que eu te indicasse ao meu chefe como a nova artista de que ele precisava."

Alma se sentiu engasgar. Um sorriso incrédulo alastrou-se em seus lábios antes mesmo de confirmar as palavras que havia ouvido, e Leon deu uma gargalhada leve ao ver sua reação.

"Leon, se isso for algum tipo de brincadeira sua, é melhor que me diga agora."

Leon riu, mostrando os dentes transluzentes e balançando a cabeça.

"Você vai expor três pinturas suas daqui a uma semana, durante um coquetel na Galeria Arte Nativo."

Alma levantou-se de imediato do sofá, passando as mãos descoordenadas por seus cabelos. Cerrou os olhos com força. Naquele exato instante seu coração pulsava tão acelerado que ela mal podia sentir as suas palpitações. Pôs-se em frente a Leon, segurando os ombros do vendedor em um pedido silencioso de que ele se erguesse de seu assento. Assim que pôde, ela enroscou os braços em volta de seu pescoço com força.

Era difícil, Leon era mais alto que os homens com os quais Alma estava acostumada. Tão logo ela aproximou seu corpo do dele, Alma notou um cheiro de menta, de noz moscada. Tão diferente de Álvaro, que costumava exalar perfumes caros.

Sentiu a respiração de Leon aplacar-se mais e mais a cada segundo. Ela não precisou dizer nada. Não disse obrigada ou pediu perdão – pensou que aquele abraço prolongado já diria a ele tudo aquilo que ela mesma não conseguiria. E talvez, ela pensou, as coisas funcionassem melhor dessa forma com Leon – sem muitas palavras.

O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now