Capítulo VIII

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Com o chegar da recente manhã, Alma logo pôs-se a procurar pelas chaves de seu carro. Não havia nada planejado, não era domingo, mas ela precisava falar com seu pai naquele instante. Pedir desculpas verbalmente, e não de modo velado, como havia feito naquela noite. Ele merecia isso.

A viagem até o casebre de seu pai não se apresentou de modo aprazível como sempre costumava ser. Alma não ouviu qualquer música, não abriu suas janelas. Uma densa nuvem de ansiedade a tomava, mais e mais a cada minuto.

Ao chegar à cabana ela o viu, em sua varanda arejada, sentado em uma cadeira de balanço moldada em fibras, Markus deitado a seu lado, o olhar pensativo erguido em direção ao seu dono. A reação de Benjamin foi algo inesperado para Alma: ao ver a caçula batendo com força a porta do carro, um sorriso acalentado e aliviado expandiu-se no rosto de seu velho pai. Ele ergueu-se, com certa dificuldade, caminhando em direção a Alma, os braços se esticando com carinho.

"Minha querida, como eu estava precisando disso, de dar um abraço apertado em minha tão amada filha."

Alma, deixando de lado seu constrangimento por um instante, retribuiu o abraço do pai, apertando as pálpebras de seus olhos.

"Papai, por favor, desculpe-me por aquela noite. Não faz ideia de como me senti após partirem de meu apartamento." Alma sussurrava ao apertar com mais vigor seu pai entre seus braços afilados.

"Ah, meu amor, não se preocupe comigo. Eu me preocupei muito com você, essa é a verdade. Senti medo. Não sei dizer do quê exatamente, mas senti. Estar vendo você nesse instante está afastando todo esse receio, minha filha." Ele falou, abrangendo mais e mais seu sorriso a cada palavra.

"Mas olhe só" Ela se afastou por um instante, esticando seu dedo e usando um tom de aviso "Toda a culpa que senti for pelo senhor e exclusivamente pelo senhor. Nem um pingo de remorso por Amália."

Benjamin deu uma risada desconcertada, tentando esconder o peso que aquelas palavras sempre reforçadas por Alma tinha para ele.

"Ora, minha filha, não fale essas coisas. Você e sua irmã um dia se entenderão. A vida nos ensina a lidar com nossos problemas, não importa o quanto tentemos escapar disso. Não se esqueça disso, querida." Ele afastou paternalmente os cabelos negros de Alma do rosto.

Ela sorriu de maneira branda para o pai, um semblante compreensivo tomando conta de seu rosto, por mais que em seu íntimo mais profundo ela não tivesse qualquer esperança de que sua relação com Amália fosse mudar algum dia.

"Venha, vamos entrar. Vou preparar um chá de erva cidreira, para que possamos nos acalmar. Hoje mesmo comprei capim-santo lá em meu vizinho, o Seu Horácio, consegue se lembrar dele, não consegue? Enquanto eu preparo a bebida, você me conta como andam suas pinturas."

Havia chovido muito na noite passada quando Alma se deitou para dormir, e ela deduziu que ali também havia chovido bastante, porque todo o ambiente estava em demasia frio. Por sorte ela estava bem agasalhada, seu casaco branco de lã evitando que os pelos de seu braço se eriçassem. Seu Benjamin acendia o fogo para ferver a água quando se virou sorridente para sua filha.

"E o trabalho, como anda? Mais algum quadro para pintar?" Como ele sempre se empolgava ao falar sobre as encomendas da filha!

"Sim, antes mesmo de entregar a pintura a Álvaro eu já havia recebido um novo pedido, papai! Foi feito por uma família de classe média-alta - ou ao menos foi isso que deduzi pelo preço proposto por eles. Mas tudo bem, não posso me dar ao luxo de recusar trabalho."

"Como me deixa feliz saber que logo você já recebeu outra proposta de pintura, querida. Ao menos por um lado, porque por outro lado, tudo o que eu mais queria ver era você recebendo aquilo que queria - e merece."

"Ah, mas não se preocupe com isso, papai. Álvaro Garcia me pagou muitíssimo bem por meu trabalho."

"Então agora minha felicidade está completa." Benjamin sorriu um sorriso enrugado, segurando o braço da filha e se direcionando à sua mesa de madeira. "Venha, minha querida, vamos logo. Está sentindo essa frente de ar frio, não? Hoje o tempo está perfeito para um chá de erva cidreira bem quentinho."

Depois de tomar uma xícara de chá fumegante, comer um punhado de biscoitos amanteigados, Alma retornou para seu apartamento. E se o caminho de ida não havia sido tão aprazível para ela quanto de costume, o retorno tratou de compensá-la. Ela não pudera abrir a janela de seu carro, de fato, pois o vento ainda soprava com toda sua força, ainda congelante. Mas a paisagem estava linda além de quaisquer expectativas. Aumentou o volume do rádio quando ouviu as primeiras notas de My Mistake, de Gabrielle Aplin, soarem através das caixas de som de seu carro.

Ao estacionar na frente de seu prédio, Alma ouviu o alerta de mensagens tocar em se celular. Era uma mensagem de Álvaro: Olá, Alma. Tenho uma novidade grande para contar a você, e precisa ser o mais rápido possível. Prometo que o que vou te dizer te levará às nuvens. Talvez você até reconsidere meu convite do outro dia. Ao menos eu espero que sim. Espero por você em meu escritório. Tenho vinho quente para nós.

Alma jogou a cabeça para traz, batendo contra o banco do carro, e se afundou em seu assento. Provavelmente ela nem se sentiria em lugar algum ao ouvir o que Álvaro tinha para contar. Como ela era capaz de ser resistente! Apesar de desejar apenas entrar em sua casa, vestir um moletom, calçar seu par de meias favorito e beber um cappuccino bem quente, ela virou a chave na ignição. Tudo bem, pensou, ela iria.

Bateu à porta, retornando rapidamente a mão para um dos braços, a fim de esquentá-lo. Álvaro a recebeu sem demora, com uma excitação contida. Não devia ser o tipo de homem que se permite exasperar-se de animação. Contudo, um sorriso que se refletia prontamente em seus olhos entregou seu entusiasmo.

"Conversei com o dono deste prédio. Manoel Ferraz, já deve ter ouvido algo a respeito dele em algum momento, imagino. Bem... ele viu o quadro que encomendei contigo, e ele se encantou, Alma."

Aquilo era muito bom, de fato. Era mais que bom, na verdade. Um dos homens mais ricos e poderosos havia visto seu trabalho. E o melhor, havia o apreciado. Alma abriu um sorriso largo, o semblante de quem se extasiava, o que não acontecia com muita frequência. Mas Álvaro ergueu uma sobrancelha, a expressão de quem havia deixado a cereja do bolo para o final.

"Tem mais, Alma. Ele precisa de um quadro vistoso para a entrada do Empire Building, para funcionar como um cartão de visitas. Disse a mim que está disposto a pagar 750 reais por uma pintura sua, Alma."

Ela não disse uma palavra sequer. Permitiu-se refletir por um momento a respeito do que acabara de ouvir. Ela seria contratada por Manoel Ferraz, o empresário mais célebre de sua cidade. Desta vez ela não sorriu. Ela riu. Gargalhou, tamanha era sua felicidade. Pela primeira vez Alma despiu-se de sua costumeira formalidade com Álvaro e enroscou seus braços magros em torno do pescoço do advogado. Ele, um sorriso também impresso em seus lábios, enterrou seu nariz nas madeixas de cabelos negros da moça que o apertava com força. Alma, no entanto, não percebeu. Estava inebriada, entorpecida, tamanha era sua alegria naquele instante. Álvaro sussurrou baixo contra aqueles cabelos que cheiravam a alfazema, que cheiravam a paz:

"Vou considerar esse abraço um sim àquele meu convite. O que acha?"

Ela se afastou dele por um instante, as sobrancelhas franzidas em sinal de análise. Balançando sua cabeça de forma jocosa, ela abriu um sorriso largo, esclarecendo sua tão aguardada rendição.


O verde nos teus olhosWhere stories live. Discover now