seven papers, two legs

815 124 168
                                    

— Está frio.

As correntes polares haviam alcançado Seul, com algumas horas de atraso. Os cubículos de neve acordaram-me nessa manhã cinzenta, grudados a minha janela. Meus planos eram permanecer enrolado nas cobertas, vendo séries com Chaeyoung e comendo doces. De tarde, nós iríamos colocar nossas luvas e cachecois e ir até o quintal, para jogar bolas de neve uma na outra, como se fossemos crianças novamente. Depois, sentaríamos ao redor da lareira e minha mãe prepararia chocolate quente com marshmallows.

Eu juro, juro, que teria feito tudo isso. Se Dahyun não tivesse me ligado na hora do almoço.

Então, eu corri pelas ruas vazias, com minhas galochas amarelas afundando em poças de água e lama. A casa de Dahyun localiva-se um quarteirão depois de meu bairro, todas as janelas estavam fechadas. Bati na porta e logo fui recebida por ela.

— Oi — eu disse, dando um sorrisinho de canto. Embora Dahyun tenha dito com todas as letras que não correspondia meu sentimento, parte de mim - uma grande parte, eu diria - não pode deixar de ficar feliz por vê-la.

— Olá, Sana — ela me olhou da cabeça aos pés, parando o olhar nas galochas amarelas depois me fitando. — Entre, não fique parada aí fora feito uma idiota. Não quero que fique doente.

Dahyun me deu passagem e eu adentrei. Quase todas as moradias do bairro possuíam dois andares, no entanto, todos os cômodos encontravam-se no primeiro piso: é claro. A colorida precisaria de um grande esforço para subir os degraus. O lugar era completamente adaptado para cadeirantes. Havia dois pratos sujos na pia e dois copos na bancada da cozinha. Enquanto passávamos pelos quartos, notei que dois estavam sendo utilizados.

— Você mora com alguém?

— Sim. Uma amiga — seu tom de voz deixava claro que não daria mais detalhes sobre o assunto.

O quarto de Dahyun era impressionante, para dizer o mínimo. Não pelas fotos antigas, em quais a menina ainda podia caminhar e correr, não pelos inúmeros livros espalhados pelo chão, e sim pelas pinturas. Várias e várias delas, todas penduradas as paredes. Aproximei-me e passei a ponta dos dedos, absorvendo a textura das pinceladas.

— Ginevra de' Benci — virei-me na direção da outra. — La Belle Ferroniéne. Leonardo Da Vinci — Minhas inspirações, pode se dizer.

— Você pintou todas elas? — perguntei, admirada. — São magníficas.

— Sim, pintei. Porém, há muito tempo que eu não o faço — cerrou o maxilar. — Não pinto desde o... Acidente.

— É um desperdicio de talento.

— É, é sim.

Arrumei meu cabelo detrás da orelha, me preparando para falar.

— Então, Dahyun, o que eu estou fazendo aqui? Por que me chamou?

Os raios solares fracos que escapavam entre as nuvens iluminavam os cachos coloridos da garota, no momento, pintados de roxo. As pintas marrons em seu pescoço pálido estavam destacadas,  como estrelas salpicadas, sumindo por dentro de sua camiseta de algodão com mangas até os cotovelos. Ela rodava o anel entre os dedos, os olhos escuros observando-me. Dahyun demonstrava franqueza, como sempre. Sua aparência estava pior do que nunca, eu ficava pensando em quais demônios a mantinham acordada.

— Eu preciso fazer algo — falou. — Porém, não quero fazer sozinha. Então, você está aqui.

— E por quê eu?

— Por que eu sei que vocé fará qualquer coisa por mim, por mais estúpida que ela seja.

— Só por isso?

— Só.

— Ótimo. Me conte logo o seu plano louco.

— Eu peguei isso no quarto da Momo — arqueei uma sobrancelha para ela. — Minha amiga — explicou.

Ela entregou-me uma pequena caixa verde escura com enfeites dourados.

— Isso é cocaina? — indaguei ao abrir o compartirnento.

Ela assentiu.

— Desculpe, mas, eu não uso drogas.

— Por favor — ela arrastou-se até mim e agarrou meu braço, sua voz estava embargada. — Eu só preciso me desligar por um segundo.

Eu não lembro-me exatamente de quando as palavras "tudo bem" sairam de meus lábios. No entanto, lá estávamos nós, de novo. Juntas. Dahyun chapada e sendo rude. E eu chapada e sendo apaixonada. Era uma sensação agradável, apesar de tudo. Era leve, calmo e limpo.

— Eu gosto de você — declarei entre risadas.

— Eu sei — Dahyun falou.

— Você não gosta de mim?

— Eu nem sei o que é amor, Suuny — riu. — Como posso aplicá-lo em você?

Inclinei a cabeça para a esquerda, deixando-a tombar no colchão macio de Dahyun.  

— Dahyun? — ouvi uma voz desconhecida gritar.

— Ih, será que é a polícia? — a colorida arregalou os olhos.

— Talvez — soltei uma risada. — Talvez eles tenham descoberto que formos bad girls, hum?

Uma menina de cabelos loiros escuros, cor de bronze, entrou no quarto com uma expressão assustada.

— Ah, Momori! — minha amiga exclamou. — Estamos nos divertindo tanto!

— Dahyun?! Ah, meu Deus! Quem te deu isso? — ela jogou o pó fora com batidas. — Você sabe que não pode usar essas coisas! Sua pneumonia...

Então, a outra começou a tossir fortemente. Levantei-me do chão com um pulo, sentindo o efeito da droga sumir.

— Dah...? — tentei alcancá-la, porém, ela jogou o corpo para frente, caindo da cadeira-de-rodas.

— Ligue para a emergência! — Momo empurrou-me para longe. — Agora!

XX

Não usem drogas, crianças.
Bj <3

nina; saidaOnde histórias criam vida. Descubra agora