no legs, six papers

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"Para mim, ouvindo Stevie Wonder"


...


— Dahyun — chamei-a.

— Sana — respondeu.

—  que você está fazendo?

— Arrumando os cartões-postais.

— E o que vai fazer depois disso?

— Colocar os discos em ordem alfabética nas prateleiras.

— E depois?

— Eu não sei, Sunny — revirou os olhos. — Estava pensando em correr pelas ruas um pouco, para realizar alguns exercícios. Ou, quem sabe, jogar Just Dance! Qual opção você considera melhor?

— Desculpe — murmurei enquanto brincava com os anéis de meus dedos. — É que esse lugar é um tédio total!

— O que você sugere?

— Como? — perguntei surpresa. 

— O que você sugere para animar essa jornaleira tão tedisosa, Sunny? Só lembre-se que gosto do fato de nunca ter ido para a cadeia.

Uma risadinha escapou de meus lábios.

— Deixará mesmo eu escolher a diversão da nossa tarde? — sorrio. — Tenha em mente que você pode se arrepender.

— Já estou me arrependendo — fez um gesto com a mão. — Ande logo, antes que eu mude de idéia.

Levantei-me e rodei os calcanhares em um semicírculo, meus olhos observaram os posters de bandas antigas, os jornais espalhados pelo chão, as poltronas de couro desconfortéveis e fixaram-se no tocador de disco.

— Ainda funciona? — indaguei a Dahyun, aproximando-me do objeto e assoprando a poeira. Um espirro escapou de meu nariz.

Escutei a outra dar uma risadinha.

— Seu espirro é engraçado, Sunny — parou de rir assim que a fitei. — E eu não faço idéia, nunca usei — desviou seu olhar do meu e voltou a se focar no tocador de discos.

Escolhi um dos discos e coloquei-o na posição correta, com muito cuidado. Logo, uma música típica de uma lanchonete dos anos oitenta ressoou pelo ambiente, preenchendo-o.

— Admito que aprecio seu gosto musical — a outra falou.

— É uma das poucas qualidades que tenho. Acho melhor, então, eu abusar dela — encaxei as mãos no bolso, sem jeito.

— Sua voz é boa — comentou.

— É mesmo? — ri, ainda sem jeito.

Comecei a cantalorar a música, andando em sua direção, meio que fazendo uma dança patética. Dahyun riu, sem conseguir conter-se.

— É a primeira vez que vejo seus dentes! — exclamei.

— E certamente, será a última.

— Não se depender de mim.

— Sunny, não será você que conseguirá me mostrar que minha existência vale a pena e essa baboseira toda. Isso aqui não é Como Eu Era Antes De Você.

— Ah, então você leu.

— Eu vi o filme. É diferente.

— É engraçado cadeirantes verem filmes sobre cadeirantes — constatei.

— Então, creio que deve ser muito engraçado você ver um filme sobre uma idiota.

— Okay — levantei os braços. — Essa eu mereci.

Permaneci um tempo encarando as orbes castanhas de Dahyun, perdida.

— Você quer dançar? — inquiri, abruptamente.

— Como é?

— Dançar — repeti.

Fui até perto da garota e com extrema delicadeza, sentei-me no seu colo e passei os braços pelo seu pescoço.

— O que está fazendo? — Dahyun indagou em um sussurro.

Franzi as sobrancelhas enquanto continuava traçando desenhos em seus joelhos.

— Você sabe que não posso sentir — murmurrou.

Inclinei-me na sua direção, os lábios roçando meus lábios na sua bochecha.

— E isso? — agarrei seu rosto com as mãos trêmulas. — Você consegue sentir?

— Não posso fazer isso — falou.

— Por quê?

— Eu não gosto de você, Sunny — desviou o olhar. — Não desse jeito.

Afastei-me um pouco, magoada.

— Eu entendo — falei e sai de suas pernas. — Sinto muito por isso.

— Eu lhe devo desculpas também. Não deixarei que minha concentração se disperse tanto da próxima vez. As coisas não chegarão a esse ponto novamente  — o tom dela era pesado, quase engasgado.

— Acredito em você.

nina; saidaOnde histórias criam vida. Descubra agora