no legs, fourteen papers

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— Seu cabelo está branco...

— E você tem duas pernas. Vamos apontar as características óbvias uma da outra por quanto tempo? O jogo já está um tédio, na verdade.

— ... E desbotando — refirei os olhos. — Deixe eu terminar de falar antes de ser sarcástica.

— Eu seria sarcástica mesmo depois de você terminar de falar — sorriu de lado. — Estou apenas adiantando as coisas.

— Bem, isso é um saco.

— Já ouvi isso antes — deu de ombros, arrastando a cadeira de rodas até perto de meu corpo largado no carpete sujo. — Já ouvi pior.

— Tipo o quê?

— Tipo, "por que você está viva e ela não?"

Apoiei meus cotovelos no carpete, grudando o direito em um chiclete de menta velho.

— O que aconteceu com você? — perguntei tão baixo que pensei que talvez ela não tivesse escutado. — Digo, por você é...?

— Defeituosa? — completou.

— Não — balancei a cabeça. — Não. Especial.

Dahyun riu.

Especial — repetiu. Ela parecia experimentar o gosto daquela palavra em seus lábios. — Especial. Já falaram muitas coisas para mim, Sunny. Mas, nunca, em toda minha vida, nem mesmo quando eu podia andar, me disseram que eu era "especial".

— Bem, você é — sorri minimamente. — Você não respondeu minha pergunta.

— Tem razão — arqueeou a sobrancelha. — Antes de respondê-la, eu gostaria de te fazer uma outra perguntar primeiro.

Retirei o chiclete do meu cotovelo com uma careta.

— Pode falar.

— Como é a sensação de andar na areia?

Não a respondi.

— Veja bem, eu perdi a capacidade de me locomover por conta própria há três anos atrás. Não me recordo mais da sensação — focou o olhar em mim. — E gostaria que você me contasse como é.

— Okay... — suspirei, meio atordoada. — Tudo bem, então, acho que é como andar um monte de... Espere um momento — fui até a parte de trás de jornaleiro e vasculhei em um monte de caixas, até achar o que eu queria. Entreguei-o à Dahyun. Ela envolveu os dedos trêmulos no pedaço de algodão. — Segure isto. Então, acho que é como andar em um monte de algodão, sabe? E a areia se prende entre seus dedos, é uma sensação um pouco estranha, mas, depois você se acostuma. E não dá muito bem para andar de chinelo, por mais que você tente, então o aconselho a andar descalça. E sempre tem aquelas pedrinhas que machucam seu pé, é bom tomar cuidado. Quando a areia está mais perto do mar, dá para andar melhor e fazer castelos de areia, mas o mar sempre os leva antes que você termine...

— Você é especial, Sana — falou.

Meu rosto esquentou.

— Falei demais?

— Sim — sorriu. — Como sempre – Dahyun posicionou-se na frente do espelho. — Qual cor você sugere?

— O quê?

— Qual cor. Para o cabelo.

— Ahn, roxo?

— Tudo bem. Consegue comprar a tinta sozinha ou eu preciso acompanhá-la?

Pisquei os olhos diversas vezes.

— Não. Quer dizer, não precisa me acompanhar. Eu já volto, não saía daí!

A menina gargalhou.

— Me esforçarei ao máximo, Sana.

nina; saidaOnde histórias criam vida. Descubra agora